Como Perdoar?

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— Você sabe que toda criança acredita no bom e velho Noel — ela baixou os olhos, encarando a densa neve abaixo de suas botas — Eu era uma delas, fui criada por uma família tradicional e que ama o natal — Alice não conseguia esconder a dor que sentia quando se lembrava daquilo. Era algo bobo, mas que a machucou profundamente — Quando pequena, escrevi uma carta para o "Papai Noel", era uma carta especial, eu fiz questão de aprender a escrever para fazê-la sozinha e o pedido nem era para mim.

Uma lágrima quente rolou pela face lisa da moça e morreu em seu lábio, ela não queria mais falar. Engasgou sentindo um enorme nó em sua garganta, e a lembrança de uma menina enganada a fez entristecer e sentir a amargura de tantos anos.

— Ei, ele não queria te deixar esperando, mas acredite, a culpa não foi dele.

— E como você sabe disso? Afinal, ele nem existe! — ela limpou a lágrima.

— Já te disse, eu sou filho dele. Toda a magia vive escondida até que chega a época do natal. Você não imagina como meu pai fica feliz em olhar ao redor e ver tudo isso — ele apontou para algumas casas e lojas decoradas, com pessoas sorridentes e felizes — E o pior é que você não sabe o quanto ele ficou triste quando não recebeu sua carta. E em certa parte eu que sou culpado.

— James, pare com essa história, eu não acredito nesse blá blá blá de que você é filho do Papai Noel. Isso é idiotice, dois marmanjos feito nós falando sobre Papai Noel — estava irritada — Vou para casa, meus pais logo chegam e eu preciso arrumar tudo — ela revirou os olhos.

— Eu te acompanho até em casa, mas antes, me deixe te mostrar algo.

Ela não respondeu. O rapaz soltou todas as sacolas no chão e pegou um punhadinho de neve na mão. Alice não entendeu nada, achou que ele estava louco, até ver a neve em sua mão flutuar numa luz azul que a envolvia. A mão direita de James se movia e a luz fazia o mesmo movimento, a neve brilhava, mas não tanto quanto os olhos de Alice. Então James colocou uma mão sobre a outra fazendo uma conchinha e quando abriu, não havia mais neve.

— Como... como? — a mulher estupefata balbuciava.

— Isso é a magia do natal — ele sorriu.

Ele recolheu as sacolas do chão enquanto a cabeça atordoada da mulher tentava achar um significado para aquilo tudo.

— Mas James — ela levou os olhos para ele — Porque ele não veio?

— Por minha causa — o rapaz suspirou recordando-se de algo — Naquele natal, eu tinha brigado com meu pai, porque ele não me deixava ajuda-lo. Quando se retirou do escritório para verificar o andamento dos embrulhos, eu entrei na sala e peguei algumas cartas do natal anterior, cartas que já tinham perdido a validade, digamos assim — ele hesitou em continuar, mas sabia que era o certo a se fazer — Li todas as cartas que peguei, até que cheguei na sua.

Agora não tinha como voltar atrás, Alice estava com os olhos arregalados encarando James, esperando que continuasse. As maçãs de seu rosto estavam vermelhas, e não era por timidez, o cenho franzido indicava frustração inundando-se numa poça de raiva. Estava chocada.

— Eu...

— Eu li sua carta e fiquei completamente apaixonado por você — ele a interrompeu — Eu deveria ter sua idade na época, e imagine, sem ao menos saber nada sobre você, eu já te amava. Foi quando voltei ao escritório do papai e ele me pegou no flagra, enquanto recolocava as cartas no lugar. Ele gritou comigo, e eu fiquei com raiva. Corri chorando até o departamento de laços, e lá, vi quando dois duendes puxavam um saco de cartas. Fiquei de longe observando o trabalho deles, então senti dentro do meu coração, de ajuda-los. Desci as escadas e coloquei o saco sobre um ombro, pesava muito, mas não me importei. Segui os dois até o destino das cartas, o departamento de inspeção, onde os elfos verificam os destinatários de cada cartinha, antes de manda-las para o escritório do meu pai.

— Espera James — Alice parou na calçada — Está me dizendo que essa manhã, quando nos encontramos, você já me conhecia?

— Não — ele disse preocupado — Eu não sabia que você era a menina das cartas, até você dizer seu nome.

— Tá — foi a única coisa que disse antes de se calar.

— Depois que ajudei os duendes, refiz o caminho para voltar ao departamento de laços, estava tão cabisbaixo que não notei o duende correndo em minha direção com um monte de cartas nas pequenas mãos. Trombamos e ele caiu, da mesma maneira que aconteceu com você — ele riu, recebendo um olhar divertido de Alice — O duende recolheu tão rápido as cartas, que eu nem tive tempo de me desculpar, e quando olhei para o chão, lá estava um envelope — James deu outro longo suspiro — Eu até pensei em devolvê-lo, mas quando vi seu nome escrito, com aquela letrinha miúda e arredondada, eu não consegui. Alice, eu sinto muito.

— Você tem noção do que me fez sentir? — as lágrimas inundavam os olhos dela, e uma veia saltava-lhe a testa — Eu passei quatro anos da minha vida com a esperança de receber aquele presente e você não entregou a minha carta, por mero egoísmo.

— Alice, eu não quis fazer isso. Eu te amava, e nunca pensei que te encontraria. Passei todos esses anos esperando uma carta sua, e você não escreveu mais, eu queria me desculpar e dizer o quanto te amava. Contei tudo para o meu pai, ele quase surtou, e a sua luz se apagou no globo de crianças que acreditam. Alice, me perdoa por favor.

— James, eu preciso ir.

Alice correu pela calçada, enquanto seu rosto era encharcado por lágrimas tristes. Parou de correr quando estava bem distante de James, que seguia caminhando com o coração dilacerado. Estava bom demais para ser verdade.

***

Seus pais chegaram quando Alice tirava um peru, deliciosamente assado, do forno. Seus primos, tios e sobrinhos estavam lá, todos moravam por perto, exceto seus pais que haviam se mudado, deixando a casa para a jovem. O relógio marcava nove horas da noite quando a família de Alice começou a trocar presentes.

A moça ganhou um livro do pai, e um casaco de veludo da mãe. Os dois sabiam bem do que ela gostava. Após tudo terminar, ela pediu para os dois irem descansar da viagem, enquanto ela cuidava da bagunça.

— Filha — Tullia a chamou aparecendo na cozinha — Acho que o Papai Noel veio mais cedo hoje, antes de dormir, promete que vai verificar sua árvore e sua meia? — a mãe lançou aquele olhar doce que negar, seria um insulto.

— Está bem, eu prometo — ela largou os pratos e foi até a mãe dando-lhe um beijo na bochecha.

— Eu te amo querida — Tullia acariciou os cabelos da filha.

— Também te amo, mamãe.

Assim que Tullia retirou-se, Alice foi até a sala olhar a árvore. Não havia nada embaixo dela, sentou-se frustrada e quando começou a sentir aquela pequena esperança sumir, viu algo brilhar por trás da árvore. Abaixou-se e puxou a caixa, que estava magnificamente embrulhada num papel vermelho e dourado. Seus dedos deslizaram pela fita desatando o laço perfeitamente feito em cima da caixa.

Retirou tudo, e preparou-se para abrir seu presente, que ainda pensava ser de sua mãe, mas não era. Encontrou a boneca, com seus olhos brilhantes e o vestido de veludo exalando cheiro de novo. Alice começou a chorar como a garotinha de vinte anos atrás, agarrou a boneca e correu até a lareira onde havia pendurado sua meia, enfiou a mão dentro e sentiu um papel tocar sua pele. Retirou o envelope.

Querida Alice,

Eu sinto muito por fazê-la esperar durante todos esses anos, mas foi necessário, para que você acreditasse em mim de novo. James é um bom filho e um ótimo rapaz. Ele realmente te ama e acredite, este embrulho não foi enviado por mim. Espero que este natal tenha suprido tudo que você perdeu no passado.

Com carinho, Papai Noel.

Por impulso, a loira correu até a porta e ao abri-la deu de cara com James. Ela pulou em cima do moreno e o abraçou forte, certa de que estava apaixonada.

Ele olhou para cima e um visco nasceu ali, do nada. Sem pensar duas vezes, se beijaram.

Doce Dezembro (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora