anne

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A família, a escola, os remédios, o hospital... Toda semana as mesma paisagens. Da minha casa até a escola todos os dias; Dá minha casa ao hospital uma vez na semana; Todos os dias remédios, remédios... E mais remédios.
Muitos familiares e seus olhares de pena. Como se eu sofresse com isso.
Fui diagnosticada com câncer no pulmão quando tinha 6 anos, uma história bem parecida com a de Hazel Grace de A Culpa É Das Estrelas.
Nunca me importei com o fato de que a morte poderia bater na minha porta a qualquer hora. As pessoas, sempre que eu estava internada, entravam no meu quarto chorando, eu não entendia pra quê... Eu só estava sentada lendo os mesmos três livros, escutando as mesmas 316 músicas, assistindo as mesmas 66 séries, fazendo as mesmas coisa. Eu não entendo por que as pessoas sentiam tanta pena se eu não sofria com nada.
- De novo com esse livro!?- minha mãe fez a mesma pergunta de sempre
- "Paciência, o quê é seu...- eu comecei
- o tempo vai trazer"-minha mãe terminou
- McKenzie George
- Já falei que se você continuar com esses mesmo 3 livros você vai acabar indo pra dentro deles, Sophie- ela riu
-Seria uma ótima idéia! Pelo menos não teria que escutar a tia Alice chorando só porque eu estou cansada e quero dormir- isso acabou com a graça.
- Sophie, você sabe muito bem que todos nós te amamos e nos preocuparmos com você
- Eu não posso fechar os olhos, pois se preocupam comigo, não posso dormir, pois se preocupam comigo. Seria demais pedir um pouco menos de pena e mais paz?
- Vá andar um pouco...- ela se retirou, eu levantei.

Aquele corredor sempre com as mesmas pessoas: a velhinha que sempre repete a mesma frase:"Sabe não é tão ruim, ele me ama, só precisa pensar um pouco". Às vezes eu imagino o que aconteceu com ela, a vejo aqui desde que entrei no hospital; um adolescente, nunca ouvi uma palavra dele, mas está sempre com uma mini faca arranhando a cadeira sempre com os mesmos números "21062016"; uma mulher que Sempre está cantando "olha pra mim é diz se eu tenho algo bom pra te dar", ela me faz pensar... Esta sempre com uma cruz na mão com o olhar longe. O mais interessante neles é como, mesmo em muitos anos, conseguem permanecer com as mesmas coisas.

A sala de recreação no final do corredor está sempre com os desenhos feitos pelas crianças com câncer, eu sempre paro em frente à uma das janelas e vejo-as brincando. A cada dia menos crianças e mais pais saem de lá chorando. Eu acho que essas crianças não sabem que podem partir dessa a qualquer momento...Por isso são tão esperançosas.

  -Elas deveriam saber a verdade, não é? - uma menina com cara de dez anos se encosta ao meu lado- são tão bobas...Todos sabem que vamos morrer... A não ser, claro, elas.
- São crianças, os adultos gostam de engana-las pra conseguir sorrisos que sabem que não vão ver por muito mais tempo.
- Idiotas! Prazer, eu sou Anne, qual é seu nome? - a criança estendeu sua mão
- Sophie​ -fiquei surpresa como ela era realista- o que você tem?
- câncer de fígado... E você?
- No pulmão.
- Você sempre para nessa janela... Por quê?- ela me olhou nos olhos
- Como sabe que eu fico nessa...
- Eu te observo do meu quarto desde que entrei aqui... você é muito silenciosa. Parece até uma espiã -ela riu.
- Essa janela é o meu lugar favorito no hospital. Ver a esperança nos olhos dessas crianças é... Não sei... Estranho...Como se uma chama de esperança voltasse aqui dentro mim, Não sei, uma chama já mais que perdida...
-Nossa, que profundo, bem gay...Elas logo vão perder a esperança, se sobreviverem, claro -ela disse como se fosse tão normal
- Porquê você não é como as outras crianças? Não tem esperança de melhorar?
-Eu estou aqui desde os meus seis anos, não tenho muita esperança.
- Você tem quantos anos?
- 12... Eu sei, bem pequena...Mas já sei de toda a verdade que essas crianças não sabem.
-Você é tão realista...
-Já ouvi tanto isso...Mas, enfim, você viu o menino que entrou agora?- ela olhou para os lados pra ver se não havia ninguém vindo- vem...vamos

Ela puxou meu braço e correu, até a sala de leitura, onde estava um garoto lindo o livro que eu costumo a ler: " O Reino Das Vozes Que Não Se Calam", Anne se escondeu atrás dá estante de livro, fez um sinal pra que eu o olhasse.
Ele usava um All Star preto desbotado, uma calça jeans é uma blusa azul com o desenho dá Árvore Dos Tirus (Tirus são os elfos do livro), o cabelo era grande, chegando no ombro, loiro; Com fone preto que, aparentemente, tocava uma música alta. Ele lendo, parecia nervoso.
Eu fiquei o olhando por um tempo, imobilizada com o jeito como ele era diferente.
  De repente, senti uma mão tocar meu braço.
- Sophie, temos que ir...Os médico já devem estar me procurando.
-É... Nós...É...Quem é ele?
-Se chama Leonardo, ele entrou semana passada. Fica sempre sentado nessa sala, as vezes chora lendo esses livros... Ele é esquisito.
-V-vamos... -Disse tonta
Fomos indo pra Janela, lá encontrei minha mãe, com sua mesma cara de desesperada de sempre.
- Sophie, por onde andou? - ela fez sua cara de pena
- Estava andando...Como você mandou, não é? Ah... Já ia esquecendo: eu não posso andar muito longe porque não conheço o hospital, porque tenho 16 anos, mas sou uma criança...-Disse irritada e irônica.
- Temos que ir...-Ela encerrou todo o assunto
-Tchau, Anne.
-Tchau, Sophie.

Esse menino sentado lendo, a velhinha, o adolescente, a mulher, a Anne... Eles parecem estar mortos...Mas...Estão vivos... De toda forma, me identifico sempre com eles, mas tenho medo de ficar como eles... Vivendo em um mundo sem luz, sem cor.
  "Ela era como uma guitarra que suavemente chorava" - O Reino Das Vozes Que Nunca Se Calam

Aguardo Loucamente O Dia Em Que Verei Teus Olhos Where stories live. Discover now