Parte Um

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Anne descia as escadas do salão. Ela já tinha enamorado vários em toda a sua vida, seu coração não parava em um dono só. Na realidade, seu coração nunca tinha sido de ninguém. Ele era apenas seu, e Anne gostaria de nunca entregá-lo a alguém. Se ela o entregasse, dependeria daquela pessoa para viver, e Anne era uma estrela solitária, não dependia de ninguém e emitia o próprio brilho, a própria luz, como se fosse o sol que brilhava no céu.

Um sorriso no canto dos lábios e um olhar de quem sabia exatamente quando e como o mundo iria acabar. Quem a conhecia de verdade seria capaz de reconhecê-la mesmo com a máscara e o vestido chique que trajava.

Todos no salão usavam máscaras e vestidos chiques, mas Anne era a que mais se destacava. Não por ser linda, poucos diriam isso. A beleza de Anne era algo que poucos viam - ela era exótica, brilhava em qualquer lugar que passasse. Não era uma beleza usual, que fosse vista em todos os cantos. Era uma beleza tão única quanto a própria Anne.

Vestidos chiques, envoltos em pedras preciosas e tecidos caros, mas, ainda assim, Anne, com toda a sua simplicidade superava qualquer um. Todos os olhares sobre ela, sobre seu andar gracioso e um modo de andar sutil, além da postura perfeita que aprendeu nos seus tempos na bela França.

Quando chegou ao último degrau da majestosa escada, já havia um homem se curvando em sua direção, com a mão erguida. O sorriso de Anne aumenta. Mesmo que não fosse entregar seu coração a ninguém, Anne adorava uma boa diversão. E aquele homem de cabelos castanhos se curvando em sua direção aparentava diversão.

Anne coloca delicadamente sua mão dentro da dele, e começam a dançar, ao som de harpas, cujas cordas eram dedilhadas por jovens músicos, que também trajavam máscaras. O barulho do salto de Anne se misturava aos das outras mulheres e aos dos sapatos recém-engraxados dos homens. Todos esses sons eram doces para ela, acostumada a ir a bailes como aquele.

O som de flautas, harpas e pianos lhe era familiar, juntamente ao de saltos de sapatos e o tilintar de taças durante um brinde. Os vestidos voando pelo salão, de um lado para o outro, explosões de cores e tecidos importados, tão belos... A beleza de Anne era mais especial e rara do que qualquer um deles, mas ninguém via isso, nem mesmo ela. Não era uma beleza tão exteriorizada.

O cabelo de Anne voaria pelo salão se não estivesse preso em um coque tão sofisticado. Apenas um pequeno cacho caía na parte da frente do seu rosto, fazendo cócegas em sua bochecha ou em seus olhos a cada giro que dava.

Ao final da música, o homem a sua frente queria mais, porém Anne ouviu a batida do relógio. Já eram dez horas da noite. Dali a duas horas ela teria que voltar para casa. Suas mãos se desvencilharam das dele. Anne teria que aproveitar aquela noite o máximo possível, e isso significava que não deveria passá-la ao lado de um homem só.

Seus olhos passeavam pelo salão. Anne se divertia observando todas as pessoas mascaradas dançando por ali, curiosas sobre quem seria o seu par. Era mágico, ninguém saber com quem estava dançando naquele salão. Seus olhos continuam passeando, analisando os cabelos bem arrumados, as roupas chiques, os toques sutis e os passos graciosos. Ninguém a tinha tirado para dançar, talvez porque a música já tinha começado. Mas será que aquilo realmente importava? Anne já tinha dançado sem música tantas vezes que não se importava mais com o ponto da música em que tinha começado nos bailes.

Os olhos de Anne quase sempre voltavam ao relógio, para analisar as horas. Dez e vinte, e ninguém tinha lhe oferecido a mão. Anne sabia que não era bela, mas naquele momento não se importava com isso. Ela se sentia interessante, e aquilo valia mais do que uma princesa magricela e loira, não era? Seus dedos começam a batucar a lateral da sua coxa, e a carne nem dava para ser sentida, devido a enorme quantidade de tecido ali.

E é quando um homem para a sua frente. A máscara dele é sofisticada, cheia de pedras preciosas. Ele se curva e ergue a mão, como o outro homem fizera. Anne sorri e coloca a mão dentro da dele. A música estava na metade, e era adorável. O homem com quem dançava era tão talentoso na dança que Anne sentia que ele era o seu par perfeito para dançar. Era como se eles soubessem exatamente o que outro iria fazer, sem trocar uma palavra, apenas olhares.

As músicas passavam, e apenas olhares e flertes rápidos e sutis aconteciam. Eles passaram mais de uma hora ali, e tinham a impressão de serem minutos. Seus pés passavam pelo chão e ao menos percebiam isso - era como voar. Até que num giro o olhar de Anne para em um relógio.

Onze e cinquenta e oito.

A música estava acabando, e os dois deram o último passo. Quando eles param, e o salão fica em silêncio por alguns segundos, Anne apenas balbucia um "adeus" e sai correndo dali. Ela precisa sair dali, já daria meia-noite. Se as doze badaladas do relógio batessem... Ela teria que tirar a máscara, e de nada adiantaria o fato dela estar com o cabelo perfeitamente arrumado, vestindo uma máscara bonita e um vestido chique.

Seus pés, que antes pareciam estar pisando nas nuvens, agora pareciam estar dançando em cacos de vidro. Pareciam sangrar, e doer, cada passo parecia uma tortura, a jornada parecia uma penitência. Ao chegar na carruagem, Anne deita no banco e quase grita para que o caminho seja a casa. E é quando Anne vê pela janela da carruagem o homem mascarado parado na frente da escadaria, segurando um pequenino sapato azul claro.

Anne coloca uma de suas mãos sutilmente na janela fechada da carruagem. Seu sapato, tão delicado, que procurou por dias. E o homem com quem dançou durante boa parte da noite ali parado, a encarando. Anne não tinha entregado seu coração a ele - ela nunca faria isso, não importava o quão encantador o homem fosse -, mas uma adrenalina em seu coração a dizia que desejava ter se divertido mais. Desejava ter dançando mais, desejava que a sensação de voar que sentira fosse para sempre.

Mas ela não tinha entregado seu coração a ele.

Ela tinha entregado seu coração àquela emoção, ela tinha entregado seu coração àquela noite no baile.

[SÉRIE MULHERES REAIS] Cinderella BoleynOnde histórias criam vida. Descubra agora