Capítulo 1. Banimento.

441 101 144
                                    

Marco.
   Ainda lembro do som das armas e das bombas caindo sobre nossas cabeças. Não me recuperei totalmente da guerra, tenho feridas no braço, costas, e no rosto.
   Depois da Grande Guerra, a Elite nos confinou à Void. Um espaço no subsolo, onde os derrotados vivem agora. Não é o melhor lar do mundo, é bem escuro, túneis por toda parte, o ar é pesado, fizemos uma metrópole no subsolo. Temos nossas próprias leis, mas somos oprimidos pelos guardas da Elite. Mortes acontecem frequentemente aqui embaixo, sejam elas por fome, ou pelo simples fato da sobrevivência.
   Não sei a quanto tempo estou aqui, mas acabei me acostumando. Meu dormitório fica na ala 30B, um dos últimos, porém, o mais perto da superfície. As paredes de toda Void são repletas de sujeira. Temos algumas áreas movimentadas, como o Centro, onde fica a maior parte dos refugiados, o mercado negro, e a parte  de geração de energia para a Elite.
   - É melhor se arrumar Marco, iremos à zona vermelha hoje a noite. - É meu amigo Jass. Fugimos do último bombardeio que teve na nossa antiga cidade.
   - Te espero no portão, leve as armas.
   Aqui na Void, não há ninguém que zele por nós. Lidero a equipe de caça da Void. Vamos à superfície as vezes para pegar mantimentos para população da Void. Pego minhas armas, meu equipamento e me preparo para ir. Não posso ser visto pelos guardas.
   Jass me aguarda no portão de acesso. Vamos só nós dois. Trabalhamos juntos desde que fomos condenados à Void. Fazemos justiça.
   - Sabe que é arriscado. Por que insiste em ir? - Jass sempre me pergunta isso antes de irmos. - Você pode morrer.
   - Eles precisam de alguém que cuide deles. Se for pra morrer, vou morrer lá em cima. - Abro o portão. - Vamos, cuidado.
   As ruas da Cidade são sempre desertas a noite. A lua, sublime no céu, ilumina os prédios e casas. Essa parte da Cidade é meio abandonada,  por ficar perto da Void, as pessoas deixaram esse lugar. Está frio. Vamos em direção ao armazenamento de comida da Cidade, um galpão enorme, de onde sai os suprimentos às demais regiões. Paramos um quarteirão antes.
   - Jass, sabe o que fazer. - Fazemos a mesma ação sempre, um encobre o outro. - Tente não morrer.
   - Quem se arrisca é sempre você Marco. - Ele ri. - Cuidado, irmão.
   Avançamos pelo canto direito do estabelecimento. Há 4 guardas da Elite protegendo o portão apenas. Eles vestem um manto claro, cada um armado. Escuto algo. Sinalizo para Jass esperar. Algo está errado, eles não se mexem.
   - Jass cuidado! - Antes de eu poder reagir, uma bomba explode em nossa frente.
   Minha visão está turva, há um barulho estranho no ouvido direito. Localizo Jass, ele está bem. Guardas estão vindo em nossa direção. Fomos vistos.
   - Avança Marco!
   Pego minha arma, atiro em 3 guardas, eles caem, os demais, revidam. Jass se junta ao meu lado. Avançamos. Atirar. Desviar. Abaixar. Atirar. Desviar. Abaixar. Estamos indo bem, os guardas estão todos no chão.
   Chegamos na entrada do galpão. Uma enorme porta de ferro nos separa do interior, abrimos.
   - Essa foi quase. - Brinco.
   Pegamos o máximo de alimento que conseguimos, o que não é muito. Estamos saindo do galpão, há um silêncio perturbador. O ar está pesado, estamos ofegando.
   - Marco, que luz vermelha é essa?!
   Olho para minha barriga, há um feixe de luz vermelha. Olho para frente, mais guardas chegaram, eles estão vindo de todos os lados.
   - Droga! Estamos cercados! - Antes que eu pudesse reagir, um clarão irrompe a penumbra da noite. - Pro lado, agora!
   Abaixo e saco a arma. Jass faz o mesmo. Mas há mais uma pessoa entre a gente, parece uma garota. Porte médio, não sei se apresenta perigo. Ela saca uma arma também e atira nos guardas.
   - Jass, ela tá com a gente. Me da cobertura pela direita! - Avanço atirando, mais guardas caem, porém, mais guardas continuam chegando.
   - Vem! Por aqui Marco!
   Nos refugiamos ataz de um contêiner. Olho para o lado. É uma menina.
   - Não vou matar vocês. - A voz dela é suave, porém, firme.
   - Você está ferida. - Olho pra barriga dela, está sangrando.
   - Marco, temos que ir. Os guardas estão chegando. - Jass tem razão, temos que ir. - Ela vem com a gente?
   Olho para a menina, está ferida.
   - Vamos, ela vai com a gente.
   Nesse momento, ouço um estrondo bem longe, em direção à Void. Temos que voltar
   Voltamos ao portão da Void, algo está diferente, fumaça sai do solo, um cheiro desagradável está no ar.
   - Jass, fique aqui com ela. - Vou lentamente descendo. A primeira imagem que vejo é horrível.
   A Void foi atacada. Algumas alas foram incendiadas, pessoas mortas estão espalhadas pelo chão. Destruição por toda parte. Alguns guardas estão mortos juntos aos habitantes da Void. Volto à superfície desorientado.
   - Jass... - Não consigo terminar a frase de imediato. - Destruíram nosso lar. Atacaram a Void! Tem gente morta la em baixo!
   - Mas... como?!
   - Vamos descer. Garota, tente ficar viva.
   Descemos, pego a arma por precaução. Meu alojamento está destruído, mas não por completo.
   - Senta ali garota. Jass, verifica a ala 30B. Cuidado.
   - Qualquer coisa, eu aviso. - Jass é um ótimo atirador, mas não sabemos com que estamos lidando. Seu rosto pardo mantém a expressão calma de sempre.
   - Qual seu nome?
   - Soha. - Ela tem a pele clara, cabelos escuros, traços finos, e uma marca no pescoço.
   - Sou Marco. Você está bem ferida. - Procuro algo pra estancar o sangue que sai da barriga dela. - Tenho algo por aqui.
   - Onde estamos? - Soha parece bem, mas perde muito sangue. Sua camisa que é azul, já ganha um tom avermelhado.
   - Essa é a Void. Nunca ouviu falar? - Acho um rolo de esparadrapo. - É a nossa casa. De onde veio? - Enrolo a parte do ferimento.
   - Então essa é a Void? - Ela parece surpresa, seus olhos castanhos claros, brilham. - Venho do Norte. Fugi da Grande Guerra e venho vivendo na superfície desde então.
  - Como você passou esse tempo todo viva? - Se aqui embaixo, com o pessoal já é difícil, nunca imaginaria que alguém sobrevivesse na superfície.
   - Eu tinha amigos que me protegeram... - Vejo uma lágrima surgindo no canto do olho dela. - Deram a vida por mim.
   Jass volta seguido de poucos habitantes da Void.
   - Mataram 2/3 de todos. Os guardas da Elite atacaram enquanto saímos. Acabaram com nosso estoque de alimentos. - Jass não consegue esconder a tristeza nas palavras. - Ela está bem? Sou o Jass.
   - Estou sim. Sou Soha. Venho do Norte, e eu sinto muito pelo que aconteceu aqui.
   - Marco? Está bem?
   Seguro a única lembrança que tenho do meu pai e da minha mãe, uma foto em família de quando eu era pequeno. Sempre disseram que pareço com meu pai. A pele parda e os olhos castanhos assemelham-se a ele.
   - Reagrupe todos. Quero os sobreviventes aqui em 30 minutos. Recolha os mantimentos. Veja as outras alas. - Guardo a foto no bolso da calça. Não superei a perda dos meus pais.
   - Marco, por que eles atacaram? O que é esse lugar? - Soha ainda está sentada.
   - Não sei. Eles ja dominam aqui, não tinha motivo para bombardear a Void.  - Raiva corre pelo meu corpo. - Depois da Grande Guerra, a Elite tomou conta do poder. Expulsaram o resto de nós para baixo, para cá. Reestabelecemos uma sociedade aqui. Mas somos controlados pela Elite ainda.
   O tempo se passa, conto à Soha como é a vida aqui embaixo. As missões à superfície, a luta constante para a sobrevivência. Jass chega com os sobreviventes. Alguns carregam os mantimentos, outros estão feridos.
   - E agora? - Jass e os sobreviventes se aglomeram.
   - Precisamos avaliar o dano geral. Quero uma equipe para cuidar dos feridos. Uma outra organizará e separará os mantimentos. Recolham suas armas, caso eles voltem. - Todos estão ouvindo, esperando uma ação. São pessoas inocentes, maltratadas pela Elite, em cada olhar se percebe a tristeza e o rancor. - Sangue à Void!
   - Sangue à Void! - Todos repetem, como um grito de sobrevivência, um juramento, um grito já guardado a tempo em suas gargantas, o som ecoa e enche de vida a Void.

Rebellion - 1° Ato #CPOWOnde histórias criam vida. Descubra agora