Nunca perdi tempo a pensar na minha vida amorosa, talvez porque a minha vida profissional me realizava em pleno, mas eu sentia a solidão de vez em quando. Como é que alguém que ganha a vida dando conselhos amorosos aos outros, não tem ninguém na vida? Se eu queria alguém? Difícil dizer. Estava demasiado acomodada com as minhas coisas diárias e para além do mais, a presença de alguém na minha vida iria mudar a minha rotina por completo e eu não sei se queria ou estaria pronta para isso.
De vez em quando recebia algumas declarações amorosas na minha rúbrica "A Phoebe diz...", o que eram massagens para o meu ego, sobretudo passando eu a vida sentada a uma cadeira abrindo correspondência e a tentar ajudar o maior número de pessoas possível. Os conselhos que não eram impressos e que eu considerava importantes, escrevia na rede, na revista online. Eu era a colunista com mais destaque, com mais trabalho e a mais empenhada da revista. E isto porque eu amava o que fazia.
Quando eu era pequena, a minha avó, uma mulher doce, afável e inteligente, dizia para mim "Encontra uma profissão que gostes e nunca trabalharás na vida". Foi isso que eu fiz e a minha avó tinha inteiramente razão. Apesar de estar completamente absorvida pelo trabalho e deixar de ter uma vida social como as outras pessoas, eu estava feliz e isso vía-se a cada entrada e saída da revista As poderosas. Era isso que eu era, uma mulher de poder.
Quando saí de casa da minha mãe para ser independente, nunca pensei vir a ter tanto sucesso na minha carreira. Não ao ponto da rúbrica na qual eu escrevo ter o meu próprio nome e muito menos da minha foto andar espalhada pela cidade acompanhada de uma das frases com que eu agraciava os meus leitores correspondentes "Pegue as rédeas da sua vida". Era talvez a pessoa naquela redação com um salário tão alto e ... a mais disponível, por não ter família em casa à minha espera. Pelo menos era nisto que Valentina, a minha redatora chefe, se baseava para me telefonar aos fim-de-semanas para me dizer qualquer coisa sobre o trabalho. Embora haja espaços vazios na minha vida, a minha gata, a quem eu dera o nome da minha cantora preferida, Pitty, era uma anfitriã de mão cheia. Ou deverei dizer de pata cheia?
Não sei como alguém se pôde desfazer dela, mas apesar do acto cruel, agradeço muita vez mentalmente à pessoa que o fez por ter escolhido um dos contentores do prédio onde vivo para o fazer. Assim eu pude encontrá-la e trazê-la para casa, onde vai fazer dois anos que também é o seu lar.
No dia que ela fôra colocada no contentor de lixo do meu prédio branco com fachada cinzenta, sendo assim condenada à morte pelas mãos de um ser humano, eu fôra despejar o lixo de casa e voilá, ouvi o miado fininho vindo do grande contentor e meti a cabeça lá dentro que nem um mendigo. Então eu a vi. Os seus olhos de criatura recém-nascida ainda estavam fechados. Devia ter um mês e meio de vida, pensei. O que Álvaro me confirmou quando me dirigi à sua clínica.
Álvaro é a única pessoa com quem mantenho uma vida social fora do trabalho. Era o meu melhor amigo na faculdade, apesar de seguir-mos áreas extremamente diferentes e continuámos melhores amigos até os dias de hoje. Ele também tinha a carreira com que sempre sonhara e havia aberto a sua própria clínica veterinária mal saíra da faculdade. Claro que pudera contar com os seus pais, a quem dinheiro não faltava, mas ele era uma pessoa bem humilde, pelo menos tendo em conta que a sua família pertence ao Jetset.
A gente tinha um acordo. Aquele tipo de acordo que a gente faz entre amigos com o objetivo de não nos distanciar-mos independentemente da família ou do trabalho que terás no futuro. E por incrível que possa parecer, a gente cumpriu esse acordo. Moramos os dois no Bairro das Margaridas e no mesmo prédio moderno, algures no Recife. E a sua clínica veterinária fica bem no rés do chão deste prédio de doze andares. Oportunidades não se perdem e este apartamento foi um achado, mas eu não tive a mesma sorte que Álvaro. Quando saí da faculdade, trabalhei três meses num café que exalava um cheiro forte a álcool e onde homens nojentos tentavam flertar comigo. Ao mesmo tempo começara a escrever o meu primeiro livro "Como fazer fugir os homens". Era exatamente nisso em que eu me concentrava, quando um homem lá no café achava que eu caíria nas suas boas graças.
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O pretendente perfeito
General FictionColunista na rúbrica de conselhos na revista feminina "As poderosas", Phoebe é uma jovem de 26 anos que atingiu os seus objetivos profissionalmente, porém a sua vida social resume-se à sua gata e ao seu melhor amigo. A sua vida amorosa é inexistente...