A casa de Maria era grande. Amarela com rebordos brancos, janelas floridas e jardim bem tratado. Quatro quartos com casa de banho, uma cozinha, uma sala, um escritório e um laboratório.
-Aqui estamos. Bem vindos à minha casa e local de trabalho.
-Mas que casa!- diz Gaspar espantado olhando para todo o lado.
-Anos de poupança e muito trabalho! Venham por aqui.
Descem as escadas e dirigem-se ao laboratório.
-Podes deixar aí- apontando para a bancada- Aqui é onde passo a maior parte do meu tempo. Desculpem a desarrumação. Acabei o meu último caso ontem à noite e cheguei de madrugada.
-Ah! Aquele que saiu no jornal hoje?
-Esse mesmo. O caso do coração partido.
-Tu dás nomes aos teus casos?-disse Manuel com alguma estranheza.
-Sim é muito mais fácil para depois me organizar e escolher os mais interessantes e urgentes. Senhores, voltemos para a sala. Um chá de cidreira nos espera.
Maria fecha a porta à chave e sobem.
-A mesa já está posta?!
-Sim eu sabia que vinham. O sítio de encontro é onde o Manel e o Gaspar normalmente tomam café e chá.
-Maria essa cabeça não pára! Foi uma grande perda para os serviços secretos.- exclamou Filipe sorrindo.
-Trabalhaste para ele?-perguntou Manuel intrigado.
-Não, eu trabalhei com ele. Trabalhei lá 7 anos.
-E porque é que saíste?
Maria muda de expressão. Seus olhos sem brilho, sorriso desaparecido. Olha para baixo. Bebe um pouco de chá.
-Coisas desagradáveis apenas. Eu vou só buscar mais açúcar, volto rápido.
Ela saiu com alguma rapidez da sala dirigindo-se para a dispensa.
-És muito idiota!- sussurrando Filipe.
-O que é que foi? Foi uma pergunta normalíssima!
-Tu não sabes do caso de Belém?
-Não leio muito o jornal.
-Ora ela tinha 27 nessa altura, um ano mais nova que tu. Estávamos com um caso de um assassino em série que colocava as vítimas à frente do palácio de Belém. Ela andou muito tempo a tentar desvendar o mistério, fazendo muito progresso cada dia, até que as vítimas começaram a aparecer a frente de sua casa. Tinha-se tornado pessoal. Ela descobriu quem era e numa noite encontraram-se. Ela nunca me contou o que se passou entre eles mas sei que quase não acordava mais. Os médicos tentaram de tudo para a tirar do coma profundo mas foi tudo em vão. Ela estava presa num labirinto mental. Acordou dias depois e nós nunca mais tocámos neste assunto até agora.
Manuel não diz nada mas fica pensativo.
-É um assunto que não deve ser falado ok? Ela deve-se sentir derrotada porque foi o único caso que ela não conseguiu resolver.
Maria entra e recolhe todas as chávenas.
-Maria, tenho um pedido para te fazer.
-Uma ordem portanto.
-Sim. O Manuel fica aqui até ao fim da investigação.
-O QUÊ???
-Isso mesmo. As coisas do Manuel devem estar a chegar.
-Mas...
-Desculpe mas tem mesmo que ser assim.
-Não tem não! Eu não concordei em nada e já estão a chegar as minhas coisas??? Como é que tens a chave da minha casa?
Maria continua desanimada e diz numa voz suave.
-Manuel, o teu irmão tem uma certa razão. Assim escusas de andar de um lado para o outro. A tua casa ainda é um pouco longe da minha. Podes utilizar o meu laboratório, tens acesso direto as provas. Se precisares de discutir o caso, estou logo aqui. Estás à vontade.
Manuel fica perplexo. A campainha toca. São as coisas de Manuel.
-Bem eu vou andando. Depois deem notícias.
Maria abanou a cabeça e Filipe saiu.
Castro fechou a porta depois de ter trazido as suas coisas. Araújo mostra-lhe o seu quarto e tudo o que precisa de saber para se orientar. Quando esta ia para seu quarto, Manuel agarra-a pelo braço. Maria fica surpreendida.
-Desculpa se te fiz voltar ao passado. Não era a minha intenção. Já soube do que aconteceu e lamento muito.
-Agora já pode destruir a minha carreira.
-Não. Eu quero ajudar-te.
-Porque é que haveria de fazer isso? Ouve, eu não sou como as suas outras damas, ok? Eu sei o que estou a fazer e não preciso de ninguém para me proteger. Obrigada, mas não obrigada.
-Não o quero fazer por ti. Apenas quero justiça.
-Boa sorte tentar abrir o caso. Eu e o seu irmão têmo-lo cerrado a sete chaves e obviamente, não me quero voltar a envolver. Ah e como pode olhar à sua volta, agora vive debaixo do meu teto, logo as probabilidades de o fazer são extremamente baixas.
-Eu consigo sempre tudo o que quero. Não me substimes.
Maria olha-o de cima a baixo e ri-se um pouco.
-O teu irmão tinha mesmo razão...
Manuel arregala os olhos e aproxima-se, fervendo por dentro.
-O que é que tu disseste?
-Exatamente o que acabou de ouvir. Esta discussão acaba agora. Oiça, foque-se neste caso para nos podermos livrar um do outro o mais rápido que possível. Esta «relação» é puramente profissional e será apenas sobre isso que as nossas conversas se vão limitar. E não é «tu», é «você», não somos amigos de colégio. Tenha um bom dia.
Maria dá um encontrão no braço de Manuel e fecha-se no seu quarto.
-Vou dar cabo do meu irmão... isto não pode ficar assim!
E com isto, Manuel sai o mais rapidamente de casa, batendo a porta da entrada com força.
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Os Mistérios de Lisboa- A Praça Encarnada
Historical FictionAlgo medonho acontece na Praça do Comércio em Lisboa. Serão precisos os dois melhores detetives da cidade para desvendar o grande mistério, Maria Araújo e Manuel Castro. O seu maior obstáculo? O choque entre personalidades. Encontrarão muitos desafi...