Blues

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   Amy chegou cedo, simplesmente porque não aguentava mais ficar em casa, nunca tinha ido ali mas já ouvira falar do local. Apenas algumas quadras separavam o bar de seu apartamento, ela conhecia o caminho e foi andando mesmo, gostava de respirar a noite, apesar de aquele começo de noite não apresentar nada de belo para se respirar. Devido ao aglomerado de nuvens não se via uma estrela sequer, a meteorologia prometera temporal, finalmente eles acertariam uma previsão. Apesar disso fazia um calor sufocante, daqueles que fazem os pés gritarem dentro das meias, e o suor escorrer pelo meio das costas até a cintura, no entanto, a brisa noturna estava fria e resolvia o problema, pelo menos parcialmente, quando o vento a atingia.

   Fila, odeio fila.

   Esta fila já havia deixado de ser fila na primeira volta no quarteirão, agora Amy achava que o nome "procissão" era mais adequado, tanto pelo volume de pessoas quanto pela melancolia de suas vozes, quase um canto gótico. A visão da multidão de pessoas à sua frente entristeceu Amy, ainda bem que cheguei cedo, suspirou, vou ter que guardar lugar para as meninas lá dentro. Sem ter o que fazer, apesar de ter tido ao menos duas ideias que poriam as pessoas dali para correr, juntou-se à procissão.

   Amy viu uma briga estourar vinte metros a frente, alguém cortando fila, as pessoas gostam de tirar vantagem em tudo mesmo, estreitou os olhos, mas a luta foi rapidamente contida. Por fim, o movimento foi mais rápido do que ela imaginava que seria, a fila estava se movendo, uma noticia maravilhosa para quem estava saindo sem vontade nenhuma. O fato era que Amy não queria ficar enfiada em casa, mas também não era uma pessoa de "barezinhos".

   - Sei lá, acho que não – respondera para Estela ao telefone, com má vontade –, tenho uns textos novos para corrigir e acho que vou postar algo no meu blog - essa parte era mentira mesmo.

   - Amiga pode parar, nada de internet por hoje, você é minha irmãzona, não posso ir ao Dead Man's Letter sem você, e, além disso, já estou pronta e a Candice também vai - Amy questionava-se a respeito dessa prontidão, afinal ela havia tomado um banho demorado, trocado diversas vezes de roupa, concluído o download de algumas musicas do Lenny Kravits, já estava a quarenta minutos na fila/procissão e nada de Estela e Candice. E o agravante de que elas moravam a cinco minutos de seu prédio, exatamente na mesma rua, reforçava ainda mais as desconfianças sobre a suposta prontidão de Estela.

   Dead Man's Letter. Será que a ironia mora aqui no bairro?

   Ela não gostava do nome daquele bar, trazia lembranças de algum ex-sei-la-o-quê que tivera. De uma forma ou de outra aquele sei-lá-o-quê havia servido muito bem em seu amadurecimento. Enquanto estavam juntos ele escrevia cartas para ela, falando sobre a vida que teriam juntos, os planos que tinha, e como o futuro seria bom, mas, como uma espécie de homenagem póstuma, agora que tudo havia acabado ela o chamava carinhosamente de Senhor Defunto. Apesar de tudo, em uma caixa de sapatos velha, ela ainda mantinha alguns textos dele, o motivo para isso mudava a cada manhã, e dependia também do humor com o qual ela acordava.

   - RG! – disse o segurança quando chegou sua vez de entrar, um brutamonte de smoking e óculos escuros, mesmo à noite.

   Ela enfiou uma mão no bolso da calça jeans, retirou o documento e entregou ao homem. Ele olhou primeiro à meia distância, procurando a luz do letreiro sobre suas cabeças, depois quase colou o plástico nos olhos, em seguida fitou Amy com um olhar desconfiado e franziu o cenho.

   - Eu era mais jovem na época dessa foto – Mais velha não poderia ser não é Amy, se arrependeu depois que as palavras deixaram seus lábios.

   O segurança devolveu a identidade, ainda desconfiado, puxou a corda da cancela e sinalizou para que ela passasse. 

   E ela entrou, finalmente, para a alegria de seus joelhos.

Blues (por Marco Febrini)Onde histórias criam vida. Descubra agora