Os dias parecem estar cada vez mais quentes do que o normal. O sol não tem dado tréguas a ninguém, principalmente no interior do estado de Pernambuco, mais precisamente em Fazenda Nova, onde anualmente é realizada a Paixão de Cristo durante a semana santa.
Não é difícil encontrar pessoas conhecidas por lá neste período do ano, menos difícil ainda é não conhecer quase todos os seus vizinhos e as histórias de suas famílias. No meio de tantas pessoas, lá está ela: Lisandra Alvarenga Magalhães, ou como ela prefere ser chamada: Lis.
Lis é uma garota inteligente, estudiosa e muito, mas muito bonita. Quando tinha cinco anos, ganhou o prêmio de Pequena Miss FN e depois disso participou de alguns comerciais de televisão e até mesmo de algumas minisséries, o que a deixaram animada para seguir seu rumo na mídia. Porém, com o passar dos anos, Lis não pôde seguir seu sonho de firmar sua carreira na televisão. Seu pai, sr. Eudes, divorciou-se de sua mãe, Sra. Jane, deixando-a com Lis, com sua irmã mais nova, Bianca, e com sua avó materna, dona Elisângela. Lis tinha apenas 12 anos quando seus pais separaram-se e sua irmã tinha 8. Sua mãe ficou muito abalada com a situação, pois amava o pai de Lis mais do que tudo no mundo e após a separação, adoeceu de uma forma que, infelizmente, ninguém conseguiu ajudá-la. Passados cinco meses após o divórcio, a Sra Jane entrou num quadro sério de depressão onde não resistiu e acabou tirando sua própria vida. Teria sido o segundo baque na vida de Lis em menos de um ano, o que, infelizmente ou felizmente, a fez tomar a decisão de ir embora do interior para então morar com seu pai na capital. Não foi tão fácil como ela pensou que seria para convencer sua avó, pois ela não queria deixá-la sair de casa de jeito nenhum. Lis foi paciente demais, mas fez um acordo com dona Elisângela: ela moraria no interior até os seus 16 anos de idade, mas depois disso, ela iria para a capital dar continuidade à conclusão do seu ensino médio e então residiria com seu pai.
Sua relação com a Sra Jane era única, ninguém a entendia tão bem como sua mãe entendia, ela descrevia como conexão além da vida. Para evitar habitar um lugar em que as memórias da mãe seriam cada vez mais presentes, Lis resolveu fazer seu recomeço. Então, após completar seus 16 anos, ela arrumou sua mala, despediu-se de Bianca e da sua avó e meteu o pé na estrada, rumo a Recife. Não foi fácil tomar essa decisão, mas há momentos na vida em que sair um pouco da realidade é o melhor a se fazer.
Era uma tarde quente e muito movimentada quando Lis chegou à capital, mais precisamente à rodoviária. Assim que desceu do carro que a levou, ligou para o seu pai e pediu para que ele fosse buscá-la. O pai disse que chegaria à rodoviária em uma hora e pediu para Lis sentar em alguma lanchonete lá dentro e comer, pois a viagem foi cansativa.
Lis estava um pouco agitada naquele lugar cheio e com muito barulho e então optou por ir à Subway. Montou seu sanduíche, pegou seu suco e foi em direção a única mesa vazia. Nesse curto caminho do balcão da Subway até a mesa, Lis estava rodeada de olhares admirados e até mesmo lascivos, o que a deixou sem graça. Isso era totalmente visível, pois a palidez de sua pele, focando mais em seu rosto, aos poucos foi sendo tomada pelo vermelho. Ignorando ou tentando ignorar toda aquela atenção das pessoas, finalmente chega à sua mesa e acomoda-se por lá. Por um momento, Lis não estava acreditando que depois de tanto tempo pensando e planejando ela teria, finalmente, conseguido sair do seu interior.
Depois de vinte minutos sentada àquela mesa, Lis já estava entediada e só queria a chegada do seu pai para tirá-la dali o mais rápido possível. Percebeu que ficar sentada olhando para o nada não ia fazer com que o tempo passasse mais rápido, por isso foi dar um giro pela rodoviária que era cheia de lojinhas e decidiu comprar algumas coisinhas para decorar o seu novo quarto na casa de seu pai.
O seu celular tocou. Era seu pai avisando que estava há poucos minutos da rodoviária e pedindo para que ela fosse ao portão de saída. Era notável a sua alegria, seu sorriso radiante e sua inquietação eram as provas. Após a ligação, Lis correu para a saída e ficou aguardando a chegada do sr. Eudes. Quando menos espera, ela vê uma Hilux preta aproximando-se e em seguida o vidro da frente baixando, com uma voz grave falando: - O que minha mais bela flor está fazendo aqui sozinha?
Foi o suficiente para Lis correr em direção à porta do lado que seu pai estava, sem mesmo esperar ele sair para cumprimentá-la, e se jogar em seus braços da forma mais entregue.
- Que saudade, pai! O senhor não tem noção do quanto eu esperei por este dia. Disse Lis.
- Eu também estava com muita saudade de você, minha florzinha. Acredite. Respondeu o sr. Eudes.
Não quiseram demorar mais naquele lugar, então entraram no carro e seguiram para Boa Viagem, bairro que Lis moraria com o seu pai. O sr. Eudes sempre foi uma pessoa calada, séria e passava uma certa frieza, mas com Lis era diferente, pois era a única que conseguia acalmá-lo, compreendê-lo e aceitá-lo da forma como ele é. Inicialmente, ele evitou tocar no nome da sua ex falecida esposa, Sra. Jane, mas era impossível não perceber o quanto Lis estava sentindo por todo o ocorrido.
- É incrível como você se parece com sua mãe... Desde os olhos esverdeados até a voz e a forma de falar. Afirmou seu pai.
Lis sorriu sem mostrar os dentes, com uma certa solidão no olhar. Aparentou não querer, naquele momento, falar sobre sua mãe. Seu pai entendeu bem sua reação e não insistiu no assunto, viu que sua pequena flor tem muito em comum a ele quando o quesito é sentimento. Após um tempo presos no trânsito, finalmente chegaram ao destino. Lis desceu do carro e seguiu seu pai até a sua nova casa. "É aqui!", disse sr. Eudes. Lis não escondeu o quanto estava admirada com o tamanho da casa e ao entrar, ficou de queixo no chão. Além de ter uma super piscina, a casa possuía primeiro andar e também uma pequena quadra nos fundos. Seu pai mostrou cada canto externo da casa para Lis, depois foi para a parte interna. Apresentou-a para dona Mercedes, a "governanta" de sua casa que toma conta quando ele não está em casa. Depois, subiu para o primeiro andar e mostrou o quarto que tinha preparado para sua filha. Lis estava encantada com toda aquela novidade - Como assim? Agora eu tenho uma suíte? -, mas nada a deixou mais feliz do que a foto que viu em cima da escrivaninha: sua família reunida, a foto do aniversário mais marcante da sua vida onde estavam seu pai, sua mãe e sua irmã juntos a ela. Ver aquela foto a deixou mais leve de uma forma que não conseguia explicar, a única forma de agradecer que Lis encontrou foi abraçar o pai com todas as suas forças. Ela sentia falta da sua mãe e também do seu pai, morar com ele seria uma forma de absorver todo aquele amor que ela estava distante há tanto tempo.
Após esse momento, sr. Eudes precisou voltar ao trabalho, pois teria uma reunião no início da noite. Ele deixou Lis a vontade, disse pra ela comer o que quiser, fazer o que quiser e que se tivesse precisando de qualquer coisa poderia falar com dona Mercedes ou até mesmo ligar pra ele. Lis pediu pra ele não preocupar-se com nada, pois naquele momento, ela só queria deitar a cabeça no travesseiro e descansar. Seu pai deu um beijo na sua testa e logo saiu de casa, Lis permaneceu deitada. Ainda admirada com tudo aquilo, não conseguia acreditar que agora estaria morando com seu pai e que parte da sua felicidade que se foi há algum tempo, agora voltaria. Mal podia imaginar que muito babado aconteceria e mudaria seu pensamento em relação a diversas coisas...
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Memórias Psicodélicas
AventuraFicar acordada até tarde tem tornado a vida de Lis um tanto mais bagunçada que o normal depois que saiu do interior para viver sua vida na capital. Não bastando isso, ela começa a viver numa realidade que está longe do que esperava para si. Tudo int...