Angelius - O Contato

Um - A Maravilha do Mundo e o Pássaro com Heterocromia

Ano 2080.

Dias atuais.

— Cuidado, crianças! O teleportador só funciona bem com uma pessoa por vez. Vocês não iriam querer reaparecer lá em cima faltando alguma parte, certo? Esperem por sua vez. — Dizia a senhora com uniforme preto com listras verticais amarelas uma em cada lado totalmente ajustado ao corpo, o que a deixava com a aparência de surfista. Ela estava orientando os turistas sobre o uso correto do teleportador, uma novidade que finalmente colocaram no acesso ao Cristo Redentor para facilitar a subida ao topo do Corcovado. Embora o avanço da tecnologia tenha sido lento, o equipamento parecia funcionar estranhamente bem, se fosse utilizado por uma pessoa de cada vez. Tinha a aparência de uma cabine telefônica antiga, porém, transparente, permitindo que fosse visto todo o interior da máquina. Havia ainda algo como uma chama de fogo azul em seu interior que parecia fornecer energia para seu funcionamento. O topo da cabine era composto por uma grande antena de WiFi direcionada para o outro teleportador aos pés do Cristo no topo da montanha.

O Sol estava apenas despertando quando os primeiros turistas chegavam para visitar, muitos pela primeira vez, o maior monumento histórico-cultural do Brasil. Um grupo de ingleses e americanos interagiam entre si e outro de brasileiros estava na fila para o teleportador. O clima tropical nas montanhas e serras fazia sucesso juntamente com a diversidade dos animais que, às vezes, mostravam-se aos turistas.

— Está chegando a sua vez, David! Cuidado para não ser realocado sem um olho. Até porque não sei o que seria mais estranho. Se seria você sem um olho ou do jeito que eles são, um de cada cor. — Diana ria e fazia caretas enquanto olhava para David. Apesar de ser sua irmã mais nova, mesmo com doze anos ela ainda conseguia tirar o irmão de dezoito do sério.

— E eu espero que você reapareça sem a boca, irmãzinha querida. — David encarava Diana com um olhar sarcástico vindo daqueles olhos fora do comum, um de cor azul e outro castanho claro.

— David, não fale assim com sua irmã! Estamos aqui para se divertir, não para ficarmos brigando o tempo todo.

— Mas mãe, foi ela quem começou e, aliás, hoje é meu aniversário e a última coisa que quero é dar ouvidos a essa garota. Não me importo, nem nunca nem nunca me importei se meus olhos são de cores diferentes um do outro. Fico até mais bonito assim, na minha humilde opinião.

Um garoto branco de um metro e oitenta e dois de altura com cabelos loiros e lisos penteados para o lado num corte moderno. Usava uma calça jeans preta ajustada ao corpo e tênis marrom que pareciam botas de camping. Vestia uma camisa branca comum bolso preto do lado direito do peito. David tinha tudo para ser um jovem comum exceto por sua heterocromia ocular, uma alteração nos cromossomos dos genes EYCL3 e EYCL1 que implicam na pigmentação e nuances da retina.

— Será que você consegue enxergar fantasmas também, gostosão? — A voz de Diane o incomodava de novo com um tom de ironia. — Porque dizem por aí que pessoas que são como você, conseguem ver o outro mundo. Um papo de dimensões ou sei lá o quê. Eu acho que estão usando drogas demais, então, se você começar a agir assim, vou falar com o papai para te internar numa clínica de reabilitação.

— Garota, eu não vou nem me dar ao trabalho de te responder. Vejo vocês lá em cima.

Sem olhar para ela, David abriu a porta e entrou no teleportador pela primeira vez. Assim que a porta se fechar, uma luz azul incandescente se acendeu acima de David e a energia azul-celeste, que fazia o teleportador funcionar, começou a brilhar mais forte. Ouvia-se um barulho como o ruído de um motor bem de leve e logo David começara a desaparecer num tom translúcido. Após cinco segundos, quem estivesse dentro da máquina de teletransporte já teria sido enviado para cima da montanha, mas o jovem loiro de olhos de cores diferentes ainda estava lá, tremeluzindo e olhando assustado através da cabine transparente.