Capítulo 01: Desvio

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Caíque


"Não há céu sem tempestades, nem caminhos sem acidentes. Não tenha medo da vida, tenha medo de não vivê-la intensamente."

Augusto Cury

Aquele dia estava cinzento, e ao entardecer um pequenino raio de sol conseguiu vencer as negras nuvens no céu alcançando meu rosto. Estava na hora de sair do meu trabalho na Galeria das Flores, quando aquele miúdo raio de sol se foi. Me despedi dos meus colegas de trabalho e caminhei em direção a Alameda das Dores, a rua que utilizaria como atalho para chegar à universidade.

Não podia me atrasar de novo, pois dessa vez a senhora Dolores não facilitaria a minha vida, porém, o relógio já marcava 18:40h. Havia duas opções pra chegar a universidade: a primeira, dando a volta em 8 quarteirões, e a segunda fazendo um desvio por uma área menos segura. Resolvi que não podia me atrasar novamente e segui pelo desvio.

Dolores era uma senhora de meia idade com cara de ratazana esmagada. Ela era inflexível, não compreendia que muitos alunos trabalhavam e tinham filhos, pois afinal "isso não era um problema dela". Então, estava resolvido, pegaria um atalho pelo antigo centro da cidade.

Segui pela rua deserta e escura. O cheiro do esgoto invadiu minhas narinas me causando enjôo. Uma forte neblina atrapalhava minha visão, e enquanto ando apressado pela rua, olho o relógio novamente e desconfio que essa é a milésima vez. O relógio agora marca 18:51h, e tenho que chegar às 19:20h no Centro Universitário. Ando pela grande rua, observo que aquele lado da cidade era abandonado, já que as lixeiras estão cheias e vejo sujeira por todo lado. Quando chego próximo a saída da rua, ouço um carro se aproximar e apresso meus passos, conheço o perigo dessa rua, ou penso conhecer.

Disfarço e espio por cima do ombro. O carro parou no meio daquele maldito breu. Não consigo ver dentro do veículo, de vidros escuros, o que me deixa com o peito apertado, de forma que agora meu coração bate fora do ritmo e estou soando frio. Minhas pernas fraquejaram, mas às obriguei a se manterem em pé. A janela se abre e um cara loiro abre o sorriso mais estranho que pude ver na vida. Apresso meus pés e não olho outra vez em direção ao carro, agora parado a alguns metros de mim.

Tento esquecer o veículo suspeito e miro meu relógio mais uma vez, observo que já são sete horas. Nesse meio tempo que olho as horas um cheiro forte de menta me invade, sem ao menos pedir licença, e me faz levantar a cabeça abruptamente. Neste exato momento, que procuro a fonte desse cheiro tão gostoso levo um esbarrão.

Agora estou aqui no chão, com esse cheiro que continua penetrando as minhas narinas. Ali ao lado, também caído e confuso, se encontra um homem alto, que me olha com os olhos mais profundos que já pude ver. Seus olhos são verdes, não um verde qualquer, mas sim aquele que parece a cor da grama. Meu coração acelera, e me avisa que gostaria de fugir por minha boca. Vejo que próximo ao meu braço direito se encontra caída uma mochila amarela. Me levanto e pego a mochila, e sigo ao encontro daquele homem, que agora me olha com olhos nervosos e desesperados. Estendo minha mão, mas ele não a segura. Ou ele havia batido com a cabeça no chão, ou não tinha o mínimo de educação.

—Me desculpe! Não havia lhe visto— digo muito sem graça e embaraçado com essa situação. Mas não houve resposta. Ele simplesmente arrancou a mochila de minha mão, me olhou nos olhos e correu em direção ao carro. O homem com cheiro de menta entra ligeiro no carro, que faz uma curva perigosa no meio da rua e segue as pressas em direção a saída.

Virando a esquina da Alameda das Dores, percebo um aglomerado de pessoas um pouco a frente. Parece que aconteceu algum acidente, já que as pessoas estão agitadas. Ouço um homem falando ao telefone, noto que ele pede socorro. Tento ver o que aconteceu, mas não consigo por causa da multidão que se formou.

Chego a universidade um pouco antes da hora. Pelo visto o atalho funcionou. Logo adiante, vindo em minha direção, vejo Marina. Noto que hoje ela conseguiu se superar, utilizando o casaco rosa, mais extravagante que vi na vida. Pra combinar ela está com um gorro da mesma cor, assim como o batom em seus lábios.

- Caíque! Caíque!!!- Grita Marina quando me vê. Corre em minha direção e me abraça.

- Oi Marina, como você está? E que roupa é essa?- Pergunto com um riso preso na garganta.

- Resolvi comprar roupas novas nesse final de semana, abriu uma loja super legal no shopping. Você deveria ir comigo qualquer hora, assim você pode dar uma modernizada nesse seu visual, quem sabe assim você desencalha.

-Eu desencalhar? Você fala como se estivesse namorando com alguém.... Você está namorando?- Pergunto surpreso.

- Claro que não Caíque! Mas estou super de olho no Matheus, aquele menino do curso de matemática.

- Por acaso ele sabe que você existe?- perguntei, com um sorriso cínico no rosto- Pelo que sei, ele sempre passa direto por você. Você deveria investir em alguém que goste de você, não em alguém que não sabe nem o seu nome.

- mas...

- Mas nada Marina!- interrompi- Me espera aqui, vou no banheiro já volto. Dessa vez ela nem falou, apenas assentiu com a cabeça.

Entro no banheiro como um foguete, e creio que meu combustível está perto de vazar. Vou em direção a primeira cabine e me alívio, quando ouço uma conversa entre duas pessoas.

- Caramba, não dá pra acreditar que essa cidade tá assim. Esfaquearam a Alice no meio da rua, e o safado ainda fugiu- disse o primeiro menino.

-Se pego esse desgraçado, não deixo um dente na boca dele.- Fala o segundo menino, com uma voz grave, que me leva a acreditar que realmente faria aquilo se pudesse.- O cara levou a mochila dela com todo material da monografia, mas o importante é que ela tá passando bem.

Saio do banheiro e encontro Marina, que confirma a história que acabo de ouvir, e me acerta com uma nova informação.

-Isso aconteceu agora pouco Caíque, foi logo ali no antigo centro, perto da Alameda das Dores.

Então era por isso aquela confusão na rua, concluo. Será então que aquele cara com mochila era o criminoso? Optei não compartilhar com Marina o que aconteceu. Uma onda de pânico me atinge, quando imagino que podia ser eu no lugar de Alice.

Em virtude dos acontecimentos dessa noite, foram canceladas todas as aulas, porém já não me importavam. Na minha cabeça apenas uma pergunta reinava. "Quem era o cara do cheiro de menta?"


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