Capítulo 03: Faça Hoje

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Lucas

Natal de 2006

"Só existe dois dias do ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver".

Dalai Lama

Os dias se passaram, e como havia prometido a Caíque, voltei muitas outras vezes ao orfanato, Meninos do Bom Jesus, e isso se tornou algo comum na minha vida. Estava no último ano do ensino médio e minha vida se dividia em ir à escola, passar à tarde no orfanato e estudar para o vestibular à noite.

A cada dia me apegava mais ao menino e em poucas semanas ele era meu fiel confidente, meu eterno amigo. Alguns anos mais tarde seria a mim que ele contaria do seu primeiro beijo e eu da minha primeira noite de sexo. Na época do meu primeiro namoro percebi como ele tinha ciúmes de mim, e até achava engraçado.

Os dias escorriam pelo calendário e logo chegaria o Natal. Seu sorriso foi grande quando disse que o convidaria para passar o natal comigo, mas primeiro precisava pedir autorização a direção do orfanato, o que não foi tão fácil, mas consegui.

Caíque, ou Caca, como descobri ser seu apelido, esboçava em seu rosto ansiedade "creio que fazia anos que ele não sabe como é um natal em família". Quando finalmente chegou o dia, contive minha emoção ao ver o rostinho mais feliz desse mundo.

A noite de natal foi maravilhosa, com muitas comidas e bebidas, e fiz questão de enche-lo de mimos. Não sei ao certo quantos presentes Caca ganhou naquela noite, porem lembro que lhe dei 11 presentes, um para cada ano que não pude estar com ele. Lembro-me do seu rosto ruborizado quando estávamos na mesa e ele abriu a caixa do tênis que lhe dei. E nessa mesma mesa agradeceu a Deus pela noite que teve.

Janeiro de 2007

Como já falei antes, a cidade era cheia de prédios antigos e casarões que me causavam arrepios. Lembro-me que quando ia para o orfanato passava por pelo menos três destas grandes casas que eram abandonadas e lembradas apenas pelo tempo. Muitas vezes passava por minha cabeça como seria viver naquela época, como era a paisagem daquele local e seus costumes. Porém meus pensamentos foram obstruídos por um grito, um gemido, uma suplica.

- SOCORROOOO!!! Socorro! Alguém... -Uma voz feminina vinha daquela casa velha- Me ajudem, por favor. - Não sabia o que fazer, mas precisa agir e rápido.

Olhei ao redor e não vi ninguém na rua e o único ser vivo que notei foi um gato malhado que cruzava a caminho. Não conseguia me mexer, estava sem reação, estava estático. Porém era necessário tomar uma atitude e foi assim que segui a passos lentos em direção a casa.

Entrei pelo arco que cobria um portão enferrujado, que já estava aberto. Ouvi mais um grito de socorro e consegui apressar meus pés. O medo me dominava, todavia resolvi que não podia me acovardar, alguém precisava de ajuda e somente eu poderia ajudar.

Corri apressado pelo pátio e dei de cara com um grande chafariz, o que me causou grande susto. Procurei por todos os lados onde era à entrada da casa, quando a avistei segui em sua direção. O medo me dominou mais uma vez, porém alguém precisava de minha ajuda e não podia ser fraco agora.

Abri a porta de forma que não fizesse barulho, e depois de percorrer os olhos pela casa fui caminhando atentamente pelos cômodos. A casa era enorme e deveria encontrar com agilidade a moça que gritava. Ouvi um gemido, consegui identificar que o som vinha da parte superior da casa. Subi a escadaria e peguei um pedaço de madeira que encontrei ali mesmo.
Meu coração batia forte e minha respiração estava acelerada. Minha mão vibrava e desobedecia ao meu comando de "pare". Segui o som do gemido até uma porta, era agora ou agora. Não podia virar as costas ao que acontecia.

Segure com força a madeira em minha mão, chutei a porta e entrei no quarto. No canto do quarto um homem alto segurava com uma mão o pescoço uma mulher e com a outra rasgava suas roupas.

Não dei tempo que esboçasse alguma reação. Acertei com entusiasmo a sua cara, e não esperei pra ver se havia desmaiado, acertei mais uma vez. O homem ficou caído desmaiado e a mulher me olhou com o rosto mais desesperador que pude ver um dia.

- Graças a Deus! Ajude-me a sair daqui, por favor. - Suplicou a mulher. - Por favor.

- Venha, segure minha mão. Temos que ligar pra polícia.

Descemos as escadas e disparamos em direção à rua. Nessa hora passavam algumas senhoras voltando de uma feira que não ficava muito longe dali. Prontamente se ofereceram a ajudar, enquanto ligava para policia pelo meu telefone.

Aquele dia foi longo. Quando a policia chegou ao local, o homem que tentou estuprar a moça havia sido espancado por moradores da região. Soube mais tarde por ela, que ele não conseguiu consumar o ato, e fiquei feliz de saber que cheguei a tempo. O Depoimento durou algumas horas. A mulher, que agora sei que se chama Ana, precisou passar por acompanhamento psicológico, e prometeu que de alguma forma ia retribuir o que fiz por ela, mesmo que falasse que o que fiz, foi um ato de humanidade.

Com essa confusão esqueci que naquele horário deveria estar fazendo mais uma visita à Caca. Quando liguei para o orfanato pedindo que avisasse o motivo de minha ausência naquele dia, soube que ele passou o dia cabisbaixo e preocupado comigo.

Soube também que ele tentou fugir e sair a minha procura pela cidade. Pedi pra falar com ele ao telefone e fiz com que prometesse que nunca faria aquilo, e nesse dia senti pela primeira vez que ele não era um simples amigo, senti que o amava, e nesse momento disse pela primeira vez "Eu te amo Caíque". Um silêncio se formou no telefone, mas não demorou muito e obtive a resposta mais doce aos meus ouvidos "Eu também te amo Lucas".

"Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo".

Mark Twain

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