Insólita Flama - Clã Ambrósio

Onde se inicia o caminho do inferno

Um ano atrás
Castelo dos Este, Ferrara, Itália

Um giro para esquerda. Dois para a direita. Mais um para esquerda.

Era isso o que repetia incansavelmente a si mesmo.

Estava com um sentimento estranho que fazia suas mãos não pararem quietas em um lugar e seu estômago se revirar como uma máquina de lavar ligada na potência máxima. Se fosse humano, diria que estava nervoso.

Encontre a Mulher Dúbia sob a luz da terceira lua cheia do ano. Crave a chave assim que estiver iluminada por inteira. Então, um giro para esquerda. Dois para a direita...

Não entendia porque se sentia do jeito que estava. Já havia participado tantas vezes de reuniões do Conselho que já havia perdido a conta. Não era como se aquela fosse sua primeira vez na frente dos Anciões ou que seus crimes iriam ser julgados naquela madrugada e ele seria condenado. Não deveria se sentir daquele jeito que lhe fazia parecer atrapalhado e idiota.

Mas então o que o levara a cruzar um continente inteiro em tempo recorde, ter consumido mais sangue, nos últimos meses, que qualquer um de seus irmãos e andado com os pensamentos atormentados e dispersos desde o dia em que recebera a carta com o emblema do Conselho?

Ah, ele sabia muito bem o motivo... Ou quem era o motivo.

Sienna DuBois. A líder do Conselho dos Vampiros.

A Anciã vampira mais antiga e poderosa ainda viva, cuja força estava além da compreensão de qualquer um. Era aquela a quem todos deveriam venerar e temer. Aquela cuja ordem deveria ser interpretada como um decreto divino. Aquela cuja presença era tão rara, nobre e sagrada que, quando Alexander leu na carta que sua Vossa Majestade estaria em carne e osso na reunião, não conseguiu mais pensar e organizar os pensamentos de forma coerente.

Foi por um bom motivo, portanto, que largou todos os seus afazeres e sua família para estar naquela noite, naquela cidadezinha medieval em plena Itália, naquela reunião do Conselho. Se Sienna estaria lá, era porque o motivo da reunião, não revelado na carta, deveria ser mínimo de uma importância extrema.

Seria a primeira vez que iria vê-la. Nunca tinha visto essa Anciã antes, apenas em retratos velhos e pinturas desgastadas, além das descrições que seu pai lhe contava, quando ocupava um cargo importante no Conselho, sendo um dos braços direito da vampira. E, por isso, além de nervoso, estava ansioso. Já ouvira tantas histórias a respeito desde quando era pequeno que tinha que ver com os próprios olhos tal criatura protagonista de contos tão nefastos e ao mesmo tempo tão fascinantes.

Seu pai dizia que quando alguém cruzava com o caminho de Sienna, era melhor ter encontrado a morte mais cruel e tenebrosa e agonizar pela eternidade no inferno do que ter de até mesmo olhar nos olhos daquela mulher.

Ele estava eufórico.

Encontre a Mulher Dúbia sob a luz da terceira lua cheia do ano. Crave a chave assim que estiver iluminada por inteira. Então, um giro para esquerda. Dois para a direita...

E foi assim que Alexander Ambrósio repetiu seu mantra pela última vez ao atravessar a ponte levadiça do Castelo dos Este, indo parar no meio pátio da construção: impaciente e agitado, conferindo a todo instante o antiquado relógio de bolso que sempre carregava consigo. Seus irmãos até costumavam critica-lo por isso, o chamando de velho e conservador ou uma Alma Primitiva, como dizia sua irmãzinha, mas ele não era mesmo um homem daquele século, então pouco se importava com sua personalidade meio anacrônica.

Avaliou o ambiente rapidamente com um passar de olhos, vendo-se cercado de galerias de pedra cujas aberturas, no formato de enormes arcos esculpidos, culminavam no pátio. Acima delas havia paredes altas com janelas retangulares vestidas com persianas vermelhas, que escondiam o interior do castelo. No local onde se encontrava pequenos pilares, espaçados em intervalos regulares, e  pequenos montes de balas de canhão integravam o cenário medievo em plena Itália do século XXI.