Após a missa, às treze horas, houve o seu enterro. O seu corpo, seu adorável corpo, estava coberto por um longo vestido de um branco imaculado. Rosas róseas e lírios brancos enfeitavam o interior de seu caixão. Ao ser fechada a tampa daquilo que seria o seu leito eterno, percebendo que jamais iria vê-la novamente, senti como se, ao mesmo momento, o meu coração havia sido igualmente lacrado.
Ao término do enterro de minha amada, todas as pessoas se retiraram, menos eu. Decidi que passaria lá o resto de minha finita vida, e que colocaria essa decisão em prática naquele exato momento. Sentei-me por sobre a terra fofa que cobria o túmulo de Cordélia. Em sua lápide, certifiquei-me de que as palavras escritas traduzissem a minha infinita ternura: "Aqui jaz Cordélia Moriartt, símbolo da vida de um homem e de seu eterno amor". Passei os dedos por sobre a pedra fria, sentindo as ranhuras das palavras grafadas. Durante o restante da tarde, permaneci na mesma posição, relendo e relembrando minhas memórias sobre Cordélia. Já se passava das dezoito horas. O céu já escurecia e o leve brilho das estrelas podia ser visto por sobre as nuvens. Foi nesse momento que ouvi gritos. Gritos agudos vindos de nenhum lugar visível. Pude senti-los e ouvi-los vindo de baixo de mim, debaixo da terra úmida.
Gritei o nome de Cordélia para que ela me ouvisse. Desesperado, comecei a cavar a terra com as minhas próprias mãos até alcançar o caixão trêmulo de minha amada. Pancadas fracas podiam ser ouvidas junto com os seus gritos abafados. Mas, Deus! Eu não conseguia abrir o caixão! Com agoniante sofreguidão, eu procurei ao meu redor por algo que pudesse me fornecer ajuda. Encontrei uma pá de metal suja de terra próxima de um túmulo por mim desconhecido, porém ao meu alcance. Peguei-a e bati três vezes na fechadura do caixão. Na primeira batida, pude ouvir o ranger da tranca. As duas batidas seguintes foram o bastante para quebra-la. Joguei a pá para trás e abri rapidamente a tampa do caixão. Cordélia, minha querida e amada Cordélia, estava lá, deitada, ainda morta, seus olhos calmamente fechados. Percebi, então, que isso tudo fora um doloroso fruto de minha mente lesionada pela tragédia da perda de minha adorada Cordélia.
Não há finitude para as tristes perturbações decorrentes do coração despedaçado de um pobre homem que perdera a sua amada! Oh Cordélia, querida Cordélia... seu túmulo agora por mim violado, a orvalhada terra de seu eterno leito revolvido... ao seu lado permanecerei, pois nosso amor permeia por entre os opacos e negros véus da morte, inimiga cruel dos amantes. Até que a morte nos una outra vez, minha querida, permanecerei ao seu lado!
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Cordélia
Short StoryDizem que o amor é uma bênção reservada somente aos humanos, e que o verdadeiro amor só pode ser sentido pelos mais nobres. Sou humano, porém não acredito em nobreza. O amor é nobre, e apenas isso. Como um extremo romântico, devo dizer que as demons...