Numa sala triste um ser triste encara uma fotografia de um olhar triste, numa moldura da estante da sala.
A escuridão toma conta de todo o ambiente, com a exceção de pequenos pontos onde candelabros insistem em brilhar, mas quase que são sufocados pela intensidade da escuridão.
O homem chora ao, aparentemente, venerar a imagem. É um choro contido de alguém que parece que finalmente descobriu que a dor veio para ficar e não há como enganá-la ou enganar-se
De súbito se levanta e dá um tapa desajeitado na gravura que caprichosamente perde o equilíbrio e segue as forças da gravidade rumo ao chão acarpetado. A moldura não se quebra, é de muito boa qualidade, mas as peças se soltam e a imagem sobe e depois plana rumo a lareira apagada, parecendo por um momento flutuar na frente dos olhos marejados do homem que sofre.
Ele faz um pequeno esforço e consegue pegar a fotografia ainda no ar, para depois rapidamente colocá-la sobre a chama do candelabro e quando ela começou a queimar, levou-a até a lareira e ali a depositou, entre algumas madeiras secas. Um som, tal um forte suspiro, se ouviu na sala, assustando-o.
Em poucos minutos o fogo aumentou na lareira e o calor se espalhou pelo ambiente e uma estranha sensação de conforto o invadiu. Ele se sentou novamente na cadeira acolchoada, respirou aliviado e em pouco tempo caiu num sono profundo, como há muito tempo não conseguia ter.
Imediatamente um sonho invadiu sua mente, transportando-o para muitos meses atrás, quando seu amor ainda vivia ao seu lado, antes de uma doença rara a levar embora. Nesse sonho corriam pelo campo sob um sol quente de verão, chegando até a beira de um belíssimo lago cristalino.
Sem pensarem direito, retiraram as roupas que usavam e com as de baixo no lago mergulharam e riram por horas a fio. Se existia um paraíso, eis que eles o haviam encontrado, mas como tudo tem fim, uma hora depois, eis que o entardecer desceu sobre eles.
Antes de começarem a se vestir para retornar para casa, ela o abraçou fortemente e depois lhe segurou as duas mãos e lhe disse que precisava partir. Ele a olhou incrédulo e não quis aceitar, segurando-a pelo pulso com medo de a perder. Ela sorriu, com os olhos e com os lábios como somente ela sabia fazer e entre juras de amor, seguiu com ele de mãos dadas até o lago.
Como mágica, caminharam sobre as águas até que ela se virou e o beijou profundamente. Depois lentamente começou a afundar ainda segurando a mão dele. Conforme afundava, com os olhos fixos no dele, lhe contava segredos de um futuro feliz, que eles viveriam num outro plano, muito longe dali.
Ele se abaixou e mesmo quando a água lhe cobriu inteira, continuou lhe segurando a mão, até que uma sombra passou a envolvê-la. No fim percebeu que não segurava mais nada, seu amor se fora, evaporara na sua frente, somente seu perfume ainda permanecia no ar.
Fechou os olhos e quando percebeu retornara para sala, o sonho acabou, mas o perfume ficou povoando o ar. Ainda de olhos fechados uma lágrima após outra molharam seu rosto, mas não era mais um choro triste, era um choro pleno de felicidade, pois ali não existia mais um homem infeliz, em seu lugar agora havia um homem que chorava ao mesmo tempo que sorria.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Visões
Short StoryAmar dói! Ainda mais quando o ser que amamos não está mais no nosso plano... E a única coisa que nos resta é poder lhe observar de nosso mundo particular... Esse é o palco deste pequeno conto romântico escrito especialmente para o Projeto EYMind - J...