Na visão dele

102 27 43
                                    

Ainda me recordo dos seus olhos castanhos, ainda os vejo direcionados a mim pelo tempo suficiente que alguém leva para se apaixonar. 

Seu cabelo preso, o vestido solto com um decote em V, um sorriso no olhar e nos lábios, todo um conjunto de detalhes gravados eternamente em minha mente fotográfica, detalhes estes que me fariam facilmente sorrir, não fosse por um fato: você não está mais aqui!

Agora o que me resta nesta minha sala fria nada mais são que imagens mentais de alguém que ainda o coração insiste em amar. Só, na parte alta da estante, repousa seu único retrato, tirado por mim numa tarde de primavera. Nele você parece querer sorrir, me contar ou pedir qualquer coisa, é uma pena que devido a sua timidez eu lhe tenha retratado de lado, pois eu adoraria poder fixar meus olhos novamente nos seus.

Dizem que os olhos são janelas que levam direto para a alma das pessoas. Não sei se existe a mínima lógica nesse pensamento, mas a verdade é que toda vez que tinha o prazer de capturar o seu relutante olhar, dava-me a impressão de que eu invadia o seu ser e nele todo navegava. Não sei se chegava a sua alma, ficava satisfeito ao encontrar e permanecer alojado em seu doce coração. 

Quis o tempo, sempre ele, que o seu tempo de existir acabasse, que o fim pelas mãos lhe levasse e que somente um vazio em mim restasse, justo quando tinha tanto ainda por lhe dizer, tanto ainda por lhe olhar, tanto ainda por lhe amar.

Sofro e isso é notório, é um sofrer transparente, talvez comovente, mas não tolo. Sofro por que não queria acariciar neste momento a face de um retrato, uma face áspera e sem vida, por mais viva que pareça o ser ali retratado. Sofro, por que o final foi rápido e inesperado, e o adeus ficou entalado, preso em minha garganta. Sofro por que não quero me despedir, por que se assim agir tenho receio de não mais lhe sentir desta forma tão intensa nessa minha sala fria.

O que existe depois é um mistério, disso tenha certeza, mas as vezes me pego pensando em como seria bom seguir os seus passos e lhe encontrar no local para onde foi enviada, dizer eu adeus para esse mundo e cavalgar ao seu encontro, mas tenho medo, e se eu me perder do seu olhar, como é que vou me guiar?

É mais seguro seguir amando-lhe em silêncio e torcer para que tudo aquilo que nos é ensinado, de que um dia retornaremos para junto de nossos entes amados, seja a mais pura verdade, pois imagino como seria triste passar a eternidade triste por não poder mais contemplar o seu tão doce olhar...

VisõesOnde histórias criam vida. Descubra agora