r e c o m e ç o

19 6 2
                                    

E ela fugiu. No dia seguinte apanharam o comboio para qualquer lugar, deixando para trás a dor de uma existência quebrada, prontos para começar de novo. Não sabiam onde isso os levaria, se chegariam a lado algum, mas pelo menos não veriam mais manchas de sangue. Na mala levavam apenas algumas mudas de roupa e dinheiro, o suficiente para se alimentarem e pagarem as primeiras noites em pousadas. Não queriam luxos, apenas felicidade. A paisagem corria lá fora à medida que o transporte se deslocava pelos caminhos-de-ferro, o braço dele sobre os ombros dela enquanto ambos olhavam o nascer do sol, pondo a esperança num novo dia. O cheiro amadeirado dele, a delicadeza da pele dela, a forma como os corpos pareciam moldar-se um ao outro, sentados, encostados, em contacto. Ele desviou o olhar da janela e perdeu-se nos olhos dela, lembrando o pouco que viveram nos dias que passaram. Se foi um acaso da vida ou um plano do destino, não sabia; mas o que quer que tenha sido trouxera-lhe um motivo para querer ser melhor. Ele iria cuidar dela, dar-lhe amor, fazê-la sorrir. Ela sentiu-se observada e ergueu a cabeça para olhá-lo, um sorriso carinhoso desenhado nos seus lábios. O verde e o azul fundiram-se numa troca intensa de olhares, os dedos entrelaçaram-se num gesto de puro carinho. E então os narizes roçaram-se, as pálpebras fecharam-se e os lábios tocaram-se, nesse sentimento forte que aquece corações gelados. Do outro lado, um pai sozinho ficou, um vilão que se safou e a justiça por cumprir. Nada disso importava mais, eles eram a segurança um do outro e estavam prontos para esquecer, recomeçar e finalmente viver.

SafetyOnde histórias criam vida. Descubra agora