O apartamento da Leticia era bem bonito e arrumado, as paredes eram brancas e imaculadas enquanto o piso de mármore lixado. Eu estava no quarto de hóspedes deitado na cama esperando a chegada do sono, mas ele não parecia querer me dar a graça de sua presença. E assim se estenderam as horas sem que eu conseguisse dormir ou sentir sonolência, apenas olhando para a janela e pensando em que eu era. Eu devia ter uma família, amigos talvez até mesmo uma namorada, mas por que eu não conseguia me lembrar de nada? Quem eu era? Qual era meu nome? E por que eu não podia me cortar? Bom pelo menos com essa pergunta eu poderia fazer testes pensei já me levantando sem fazer nenhum barulho. Fui para a cozinha na ponta dos pés e peguei um grande cutelo.
Tentei dar um golpe forte no meu braço com ele, mas perdi a coragem no meio do ato. Em vez disso escorreguei a lâmina pela palma da minha mão. Mas nem mesmo o mais fino corte se formou. Agora munido de mais coragem provinda da experiência anterior virei a ponta da faca em direção ao meu peito e enfiei com toda a força.
Meu assustei com o som que se sucedeu. A faca quebrada em várias partes caiu no chão com o estrondoso som de metal batendo em metal enquanto as partes da lâmina batiam entre si.
- Droga. - Murmurei torcendo para que o som não houvesse acordado ninguém. Embora eu duvidasse que alguém poderia continuar dormindo depois de ouvir um som daqueles.
Esperei alguns minutos enquanto catava os pedaços da faca, porém diferente do que eu esperava ninguém levantou. Leticia e o marido deveriam ter um sono muito pesado.
Fui até a área de serviço para jogar fora os restos do que um dia foi uma faca e no momento em que olhei para a caixa de ferramentas que estava lá a ideia de testar até onde chegava essa estranha resistência invadiu minha mente. Abri a caixa e tirei de lá uma furadeira, coloquei ela no meu dedo mindinho e liguei forçando ela para frente, mas mesmo assim nem um único arranhão foi feito na minha pele.
Estranho. Pensei, muito estranho. Será que isso está conectado de algum modo com a minha memória perdida? Eu não sabia, mas tinha que descobrir. Tinha algo de muito errado em tudo o que estava acontecendo desde que eu acordei.
Esperei por mais algumas horas sem conseguir dormir até que o marido de Leticia acordou e foi a cozinha.
- Bom dia. - Ele falou meio sonolento enquanto se servia de um copo de água. - Você acordou cedo.
- A bem da verdade nem dormi. - Respondi ainda sem qualquer vestígio de sono.
- Uma pena. - Ele disse tomando outro copo. - Nada melhor que o sono para revigorar uma mente cansada.
Ele preparou um misto com uma das mãos enquanto usava outra para erguer e examinar uma dúzia de folhas com várias contas escritas.
- O que é isso? - Perguntei bastante curioso.
- Um problema que eu tenho que resolver para a aula, mas o danado vem se provando inexplicavelmente difícil. Já passei quatro dias tentando e não cheguei muito longe. - Ele comentou entre uma mordida e outra, sempre examinando as folhas.
- Parece deverás interessante. - Frase saltou da minha boca e por algum motivo me causou um leve sentimento de nostalgia.
- Quer dar uma olhada? Não acho que vá entender do que se trata, mas mal não faz. - Ele disse um pouco surpreso com o meu interesse enquanto me passava os papéis.
Observei o papel por um instante ínfimo e logo que corri os olhos pelo problema a resposta me saltou a vista.
- Vai dar i sobre X a terça? - Perguntei com absoluta certeza de ter acertado.
A expressão dele mudou enquanto ele conferia minha resposta.
- Não é possível! Está certo! Como você fez isso tão rápido?! Eu sou professor do ITA e não consegui fazer isso em quatro dias, mas você não levou nem dez segundos! Pode ter perdido a memória, mas tem o melhor raciocínio matemático que eu já vi! - Ele falou empolgado.
- Que gritaria é essa logo cedo Oscar? - Disse Leticia ao marido ainda meio sonolenta.
- Nós podemos ficar com ele?! Podemos, não podemos? Por favor!!! - Ele falou se referindo a mim.
- Ele não é um cachorro Oscar. - Leticia respondeu.
- Mas ele está sem memórias e nesse estado teria de ir para um abrigo, você sabe como são ruins as condições daqueles lugares. Se não recuperar as memórias pode ter de passar anos lá. E quando sair vai estar com várias dificuldades, sem sequer ter completado o ensino médio não vai poder entrar na faculdade e arranjar um bom emprego no futuro. - Disse a assumindo a falsa pose de adulto responsável. - Ele estaria perdido. Por outro lado se ficarmos com ele as coisas seriam bem diferentes. Ele cursaria o ensino médio e depois faria uma faculdade, poderia entrar para o mercado de trabalho bem qualificado. - Ele finalizou.
- Ele não se lembra nem do ensino fundamental, acha que poderia aguentar o médio? - Ela perguntou falando como se eu não estivesse ali.
- Tenho certeza! - Ele disse colocando a mão no meu ombro. - É um menino genial. A pessoa com o maior potencial que eu já vi. Além do que você sabe que muitas vezes quando alguém perde as memórias pode se lembrar de informações acadêmicas embora não saiba onde as aprendeu. - Ele finalizou o argumento.
- Talvez você esteja certo... - Ela começou a ceder um pouco a insistência do marido. Posso conseguir que ele fique aqui, então podemos matricula-lo em alguma escola pública aqui perto. Se ele tiver tanto potencial quanto você diz deve conseguir entrar em uma federal, mas as despesas dele tem que sair do seu bolso. - Ela falou pensativa ainda ignorando a minha presença.
- Eu pago tudo. Sabe como evito gastar dinheiro, tenho mais que o suficiente. Mas ele não vai estudar em uma escola pública. -Ele se virou para mim. - Você vai estudar na escola que eu estudei, isso sim é que é escola! - Ele disse com os olhos castanhos parecendo se lembrar de um passado glorioso. - Tenho certeza que consigo uma bolsa pra ele.
- Por sua conta e risco. - Leticia respondeu como se eu não existisse e se sentou para tomar o café da manhã.
- Não liga para ela. - Me disse Oscar. - Eu confio no seu potencial, como não poderia depois do que vi hoje? Acho que vai fazer bem pra você ir à escola, encontrar outros adolescentes e tal.
- Obrigado. - Falei realmente agradecido, sabia que graças a ele minhas chances de ter uma vida normal estavam maiores. Talvez fosse bom eu ir à escola, podia não me lembrar das pessoas e ter cortado laços com meu passado, mas sempre se pode criar novos laços, talvez eu devesse olhar para o futuro ao invés de correr atrás de um passado do qual sequer me lembrava. - Muito obrigado.
- Relaxa vai dar tudo certo. - Ele me lançou um sorriso simpático e tranquilizador. - Tenho certeza que vai dar tudo certo. Eu vou garantir que dê. Já passei por uma situação parecida na sua idade. - Ele me lançou outro sorriso, desta vez um pouco misterioso. - Na época ninguém me ajudou, mas você tem a mim, não está sozinho nessa. Eu vou te apoiar. - Ele finalizou com lágrimas escorrendo calmamente dos olhos. E nesse instante com o sol nascente batendo levemente no rosto dele, ele realmente me pareceu muito com um herói.
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O Último Imortal
General FictionNascer, crescer e morrer. Esse é o destino de todos, desde o mais reles servo ao mais influente imperador. Da morte ninguém é capaz de escapar. Ou pelo menos não deveria... Nicolas é um jovem que acorda nas margens de um rio, sem qualquer lembrança...