A mulher que mora na casa da esquina e que não sei o nome me parou com um pedaço de papel nas mãos. Não gosto de ser abordado. Sempre tenho a impressão que vão me oferecer coisas para comprar. Desta vez não estava errado, ela queria que eu comprasse uma rifa (que não existia) para ajudar na vaquinha da festa comunitária. O fato é que moro á pouco no bairro e não me considero parte da comunidade. Quando percebeu que haveria uma recusa em lhe dar uns trocados apressou-se em dizer que iria batucar os tambores até as quatro horas da manhã (a vizinha tem um centro de umbanda no quintal de casa). Franzi a testa e preferi não lhe responder. Saí apressado para o trabalho e a deixei para trás segurando o papel com o pedido de donativos na calçada.
Não, não gosto que me peçam as coisas. Se tem algo nesse mudo que não suporto é gente que pede. Pensando melhor também não gosto dos Testemunhas de Jeová, nada contra a religião, é contra eles mesmos. É muita audácia ir à casa das pessoas as oito horas da manhã de um domingo. Não! Domingo é dia de dormir até as dez. Mas são persuasivos quando tocam o interfone: ''-Deus precisa-lhe falar! Você tem uns minutos para ouvir o Pai-''. Mas logo que os atendemos à porta, Deus muda o nome para Jeová (que é a mesma coisa) e nos oferecem aqueles livrinhos com capas de desenhos de pessoas felizes e animais ferozes que parecem gatinhos domésticos. Passei a atender os Testemunhas de cueca, pensa que isso resolveu? Não! Alguém que toca nossa companhia as oito de um domingo não vai se importar com isso.
A mulher que mora na esquina sempre que me encontra me olha com aquele olho de que vai amarrar meu nome na boca do sapo. Ela me dá medo! Mas não gosto de gente que fica pedindo as coisas. Sempre que alguém me liga e me pergunta se estou bem, já sei que irá me pedir alguma coisa. 0 ser humano é muito descarado mesmo, digo de supetão ''- o que você quer-'', assim poupa aquela história longa e triste que terminará num pedido de dinheiro.
Nessa crise todo mundo deu para pedir: a telefonista do Greenpeace, a mulher que mora na esquina, as Testemunhas de Jeová, o rapaz com cara de coitado e moribundo nas marquises dos pontos de ônibus... não! Não gosto que fiquem me pedindo as coisas, não faço nada por coação!
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**** Crônica não publicada no Livro Lançado pela Editora Hope
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LUGAR COMUM
Short StoryLugar Comum são crônicas que escrevi ao longo de muitos anos. Uma copilação de lembranças, coisas que a maioria dos jovens dos anos 80 e 90 viveram, sem nenhuma sombra de dúvidas você se verá em algum momento em muitas das linhas que postarei e cas...