Até aquela noite, eu não sabia de muitas coisas. Uma delas é que era bastante possível chorar até seus olhos doerem. A segunda é que eu estava prestes a encontrar o amor da minha vida.
Mas essa é a parte legal, não é? Você não saber. Estar acabado pelas outras decepções, os cabelos desgrenhados, o corpo suado, as roupas confortáveis que estão no seu guarda-roupa há vários anos; porque não importa nada disso, a pessoa ainda vai notar você. Só você. Quase como se você tivesse que quebrar a cara e aprender com o mundo algumas lições antes de finalmente ser premiado pela vida com uma nova. Aquela que será a sua vida, e você será a dela.
Foi assim que eu me senti na noite em que o conheci. Não de início, só depois. E muito depois disso, não sabia como me sentia.
Mas vamos por partes. Nas primeiras horas, o choro vergonhoso era a única coisa que eu fazia e sentia, o que só me fazia chorar mais. Era um ciclo interminável e decadente que eu simplesmente não sabia como fazer parar.
Tudo parecia estar errado: a mudança, uma semana antes. As aulas tinham começado e as pessoas da classe eram gentis, nem ao menos pareciam se importar com minha sexualidade. Na verdade, algumas meninas pareciam gostar disso. Não sei como elas perceberam, apesar do meu primo sempre dizer que havia praticamente um letreiro feito de pisca-pisca em minha testa escrito GAY. Eu sentia falta dele. Sentia falta da minha cidade. Mas não havia nada a fazer, e me deixei sorrir para elas, o que foi uma iniciativa suficiente para que viessem até mim. Era engraçado. Elas sentavam do meu lado e falavam "Ei, você é o Nick, certo?", então eu fazia que sim e elas me perguntavam coisas sobre Beyoncé e Kim Kardashian até que toda informação que eu tivesse sobre o tema fosse esmiuçada até seu ápice. Tá, admito que a conversa foi legal no início, mas comecei a sentir como se elas pensassem que eu não tinha mais nenhuma informação útil que valesse seu tempo de diálogo, e me cortavam cada vez que eu tentava outro tipo de abordagem. Então, simples assim, eu me afastei. Fiquei sozinho até que todos me chamassem de estranho, para que depois começassem a me ignorar como se eu não existisse. Nem sabia dizer o que era pior.
Não é por isso que estou chorando no telhado de casa, mas essa foi a gota d'água. As lágrimas vêm e não posso controla-las, imaginando quando a palavra casa deixaria de soar falsa.
Quero dizer, isso aqui não parece com um lar. Conheço o cheiro de lar. A esta hora da noite, tem cheiro de caos: brisa fria e cortante, carregando as festas regadas a álcool e drogas que todos sabemos que as pessoas usam na boate do outro lado da rua, mas ninguém fala nada. Aqui é diferente. Cheira a ar seco, um vento solitário que atravessa meus cabelos e só deixa um cheirinho de grama molhada no nariz. Meu pai disse que achou reconfortante, mas eu discordo. É um cheiro falso, assim como tudo ao redor.
Não há a boate do outro lado da rua. Em vez disso, em frente a mim, fica um prédio que é fácil de notar, porque não há muitos na cidadezinha, mas nem chega a ser um arranha-céu. Talvez tenha dez andares, talvez menos. A construção é em tons escuros, que apagam com a noite. Acho bonito, de alguma forma, como alguém à espreita, envolto por nuvens pesadas de uma noite que está prestes a ser chuvosa.
Então, quase ironicamente, meus olhos cravam na figura olhando da janela do sétimo andar. Limpo as lágrimas que lavam meu rosto para ter certeza de que não estou imaginando, mas não há dúvidas, ele está mesmo lá. Longe, então demoro um tempo para focalizar em seu rosto. Tem cabelos castanhos e longos, olhos tão verdes que brilham na noite, usa uma camisa do Ben 10 que me faz sorrir, porque estou usando a minha do Dragon Ball, mas também porque ele é lindo.
Ele é lindo, e está olhando para mim.
Não é ilusão, tenho certeza. Ele está olhando em minha direção, com os olhos tão fixos nos meus quanto os meus estão nele. Uma pena que está tão longe. Sua cabeça fica voltada para baixo e a minha para cima, sem me importar com a dor que surge em minha nuca. Posso cuidar disso depois. No momento, estamos disputando quem vira os olhos primeiro, e não estou disposto a perder. Não quando ele está me olhando assim, me analisando, com a expressão cheia de enigmas que me fazem querer nadar em suas íris. É assim que sei que vou ganhar: algo dentro de mim grita que poderia olhar para ele por horas e ainda assim não cansaria.
Não sei quanto tempo se passou de exato, mas em algum momento, ele olhou para o lado. Fechou os olhos, apertou-os como se estivesse cansado. Depois olhou pra mim novamente e riu, dizendo que eu havia ganhado nosso joguinho. Então ele me dá as costas e desaparece no quarto.
Vou embora muito tempo depois que a luz apaga. E muito tempo depois disso, ainda estou sorrindo.
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Encontros Silenciosos
Short StoryNick está perdido. A cidade nova, a escola, a saudade que sente dos amigos, tudo coopera para que ele suba as escadas do terceiro andar de sua casa que levam ao telhado.