É noite de domingo, e meus pais pediram pizza para o jantar. Digo que estou cansado e subo para o telhado com três fatias e uma lata de Coca-Cola em mãos.
Sento na beirada, no mesmo lugar da noite passada, esperando. Pego uma fatia da pizza para dar uma mordida, então percebo que a minha mão está tremendo. Não sei se ele vai aparecer. Quero muito que apareça. Céus, como eu quero. Ele me fez ter um dia completamente feliz; sorri para os meus pais, fiz a lição de casa, mandei mensagens para os meus amigos de quem tinha saudades e assisti How I Met Your Mother no Netflix.
Mas tudo pode acabar tão rápido como começou, essa noite, se ele não aparecer, e Deus sabe que não estou pronto para isso. Preciso que ele esteja ali.
Olho para o relógio depois de duas horas. Não falta muito antes de amanhecer e meu rendimento escolar no dia seguinte já será péssimo. Suspiro e deixo os ombros caírem enquanto me levanto para ir embora, mas um clic me faz parar. A luz do quarto do sétimo andar que dá pra minha casa está acesa, e o garoto está debruçado sobre o parapeito da janela, olhando para mim.
***
– Isso é sério, Miranda, para de rir e me ajuda.
Mas ela não parou. Podia ouvir sua gargalhada exagerada do outro lado da linha, que me fazia tanta falta. Ela era o meu extremo oposto, e ainda assim, minha melhor amiga. Se eu gostava de maionese, ela queria ketchup; se eu escutava Lana Del Rey, ela ouvia Beatles; se eu gostava de uma roupa, Miranda a usava para limpar o xixi de seu cachorro.
Mas, de alguma forma, isso funcionava pra gente como se fôssemos algo completo. Ela com os milhões de namorados, eu sempre sem ninguém, dirigindo – ilegalmente – seu carro quando ela estava bêbada demais para andar em linha reta.
Então não estou tão surpreso e nem tão chateado assim por ela rir quando eu garanti que tinha um relacionamento enrolado com meu vizinho. Se alguém me dissesse isso há um mês atrás, acho que eu também riria.
– Nossa, Nick, é difícil – disse ela, recobrando o fôlego. – Tá, tudo bem. Estou inteira. Vamos do começo. Vocês se encontram todas as noites no telhado da sua casa? É isso? Qual o nome dele?
– Nós não nos encontramos no telhado. Eu fico lá, e ele na janela do apartamento dele, que fica de frente pro meu. E... Bom, não sei o nome dele.
– O quê?
– Nunca conversamos com palavras. Nós só ficamos lá, todas as madrugadas, olhando um pro outro ou fazendo algo.
– Ah, meu Deus – Nick quase podia visualiza-la sorrindo. – Não me diga que vocês ficam nus na frente o do outro. Ele se toca? Deus, odeio admitir, mas isso é sexy.
Um risinho escapa da minha garganta.
– Miranda, só nos vemos há duas semanas.
Ela soltou um grunhido reprovador.
– Tudo bem, já pode voltar pro século vinte e um. Isso não é nada, Nick. Lembra daquela vez na festa de Halloween? O garoto vestido de Freddy Krueger disse que queria me mostrar as abóboras e...
– Certo, Miranda – corto. – Não precisa me lembrar dessa história. O fato aqui é que nunca fizemos nada disso... Mas sentimos.
– Você sentiu – ela tenta corrigir.
– Não. Nós sentimos. Ele também gosta de mim, Miranda. E nossa, eu nem consigo explicar o que é isso – murmurei.
Ela esperou que eu completasse, mas as coisas que eu havia sentido nas duas últimas semanas eram complexas demais para que eu pudesse descrever em palavras. Como poderia? Como poderia descrever o que havia sentido naquela noite em que eu tinha prova no dia seguinte, ergui os cadernos para o alto e ele entendeu, acenando com a cabeça para mim, e eu fiquei estudando em cima do telhado, sentindo o peso de seus olhos sobre mim? Como poderia descrever aquela noite em que ele colocou sua playlist do Coldplay no parapeito da janela e sorriu para mim, se pondo a dançar no quarto enquanto eu acompanhava seus movimentos do telhado? Como descrever as noites em que não fazíamos nada disso, só ficávamos nos olhando por horas a fio, dizendo palavras silenciosas um para o outro que entendíamos perfeitamente?
– Você não precisa entender, Miranda. Só... Acredite em mim quando eu digo que é importante. Por favor.
Ouço-a suspirar do outro lado da linha.
– Certo, então, se vocês têm uma ligação tão forte assim, não entendi qual é o problema.
Há um breve silêncio antes que eu consiga responder.
– Eu não sei o que fazer. Sabe... O próximo passo. Perguntei pra algumas pessoas na escola, pra todo mundo que achei que poderia ter alguma informação, ao menos um nome, mas ninguém sabe que ele existe.
– Nick apaixonado por um garoto misterioso. Essa é nova.
– Miranda...
– Tá, eu sei. Estou brincando. Bom, se quer tanto assim, vá até o prédio dele – respondeu, na voz mais passiva possível.
– Ficou maluca? – disse, exasperado. – Não posso fazer isso.
– Por quê?
– Porque... Ele pode não estar lá.
– Deixe um recado.
– Ele pode não receber.
– O porteiro não pode ser tão incompetente, Nick.
– Ele pode não querer ler.
– Isso é contraditório, considerando A Ligação de vocês.
Bufo, sabendo que ela está certa.
– Vamos, Nick – anima ela. – No máximo, você vai descobrir que ele não era o cara certo. E é melhor descobrir isso logo, antes que se apaixone.
Desliguei sem dizer a ela que era tarde demais para isso.
***
Naquela noite, fui para o telhado mais cedo do que de costume. Meus pais estavam começando a desconfiar de me verem subir constantemente as escadas que levavam até a laje, mas não perguntaram nada, e eu estava nervoso demais para me preocupar com eles.
Depois de desligar o telefone, passei muito tempo pensando comigo mesmo e acabei decidindo que não iria ao prédio do garoto, mas ainda assim mandaria uma mensagem a ele.
Sentei na beira do telhado e arranquei uma folha do caderno.
Me encontre na praça que fica a duas quadras daqui, no horário de sempre.
– Nick
Dobrei a folha em forma de aviãozinho e, torcendo para que desse certo, atirei-a no quarto dele, cuja janela sempre estava aberta.
A folha voou até desaparecer dentro do cômodo.
Saí de lá, sorrindo de orelha a orelha, e indo até a pracinha ali perto. Sentei em um banco de balanço quando cheguei, ansioso, mas não inseguro. De alguma forma, tudo dentro de mim sabia que ele viria, que chegaria a qualquer momento pelo caminho de alamedas e sentaria no balanço ao meu lado, e talvez conversássemos, ou talvez só nos olhássemos durante o resto da noite como fizemos tantas vezes. Isso não importava, porque ele estaria lá. O resto era um pano de fundo complementar e descartável.
Mas eu estava enganado.
Soube que ele não iria aparecer quando senti o sol em minhas costas.
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Encontros Silenciosos
Short StoryNick está perdido. A cidade nova, a escola, a saudade que sente dos amigos, tudo coopera para que ele suba as escadas do terceiro andar de sua casa que levam ao telhado.