O Acaso

1

Ouço pessoas gritarem meu nome, algumas chorando, estou nervoso, minhas mãos tremem e soam muito.
– Cinco minutos Harry — Uma mulher diz, não sei quem é, não consigo reconhecer.
Os gritos aumentam, e sobe na minha frente uma parede de metal, revelando milhares de pessoas gritando meu nome e chorando, a musica começa tocar e eu entro no palco cantando, as pessoas gritam ainda mais alto, e meu coração parece estar perto de explodir, minhas veias pulsam com a adrenalina causada pelo show e pela multidão, meu sonho se realizou, sou um cantor famoso.
Acordo em um pulo, e esfrego os olhos, tentando acostuma-los a claridade que entra pela janela, estou no meu quarto, foi apenas um sonho, me sinto decepcionado e frustrado, e solto um suspiro.
Apoio os braços nas laterais do corpo e me empurro para cima e me sento na cama, olho pro relógio ao lado, 09:00 horas.
Passo as mãos pelo cabelo bagunçado, um gesto que sempre faço e não sei porque, afasto a coberta pesada do corpo e coloco as pernas fora da cama, olho para as paredes brancas do meu quarto, e em seguida olho ao redor, é simples, a cama é encostada na parede da porta, e a janela fica bem na frente da cama, do lado esquerdo da cabeceira da cama, tem uma escrivaninha de madeira riscada marrom, com um relogio em cima, e na parede ao lado o guarda roupa, passo a mão pelo rosto, e dou a volta na cama, o piso de madeira gelado estala sob meus pés enquanto caminho até o banheiro no corredor, o dia hoje está gelado, e eu estou sem camisa, o corredor é estreito e cheio de quadros na parede branca e manchada, abro a porta do banheiro pequeno e entro, o banheiro está mais frio que o normal, apoio as duas mãos em cada lado da pia, e me olho no espelho, quem eu vejo no reflexo não parece ser eu, meus olhos verdes não brilham mais como antes, meus cabelos que antes eram curtos, agora estão maiores e mais bagunçados, apenas as marcas das minhas covinha que permacem as mesmas em minhas bochechas, abaixo a cabeça e penso por alguns instantes em coisas que nem fazem sentido, acordei estranho hoje, reviros os olhos e me apresso em usar o banheiro, volto pro quarto e pego a primeira camiseta que encontro, e vou em direção a cozinha, faço o minimo de barulho possivel, porque minha mãe trabalha a noite, então ela precisa dormir, nossa cozinha é pequena, assim como o restante da casa, é toda branca, com o armario ao lado da porta do corredor, o fogão na parede ao lado do armario, e a pia encostada na mureta que divide a sala e a cozinha, recolho os pratos sujos em cima da mesa, e os coloco na pia e começo a lavar, todos os dias faço isso para ajudar minha mãe, somos apenas eu e ela.
Quando termino de lavar tudo, pego um pano e começo a secar e guardar tudo. Vou pra sala, e dobro o cobertor que minha mãe deixou ali, volto pra cozinha para preparar o café da manhã, mas minha mãe esqueceu de comprar pão, então vou ter que ir, coloco uma calça preta lisa, e uma blusa de moletom azul escuro com capuz e saio de casa, o vento bate em meu rosto dando uma sensação boa, mas logo começo a tremer, vou andando até a padaria, gosto de andar, da pra observar muita coisa, moro em Windsor, na parte mais simples, as ruas são comuns, as pessoas são comuns, basicamente tudo por aqui é comum, as folhas secas de outono estalam sob minhas botas enquanto caminho.
– Bom dia Harry — Olho pro lado e vejo a Sra Barbara, ela é bem legal para uma senhora de idade.
– Bom dia Barbara — Lanço um sorriso largo para ela.
Ela sorri de volta enquanto entro na padaria, que por sinal está vazia para uma sexta feira de manhã.
Volto rapido pra casa porque sei que quando chegar minha mãe ja vai estar acordada. Assim que fecho a porta da sala, ela sai do corredor.
– Bom dia querido — Ela diz sorrindo e deixando a mostra as mesmas covinhas que eu tenho.
– Bom dia mãe, dormiu bem ? — Coloco a sacola em cima da mesa enquanto ela se aproxima e me da um beijo.
– Dormi querido — Ela pousa suas mãos em meus ombros e esfrega as mãos contra meu casaco.
– Então, o Ryan vai vir aqui hoje pra voces gravarem mais um video ? — Ela senta na mesa e se serve de uma caneca de café bem quente.
– Acho que não. Acho que não vou mais gravar esses videos — Dou de ombros com um certo tom decepcionado.
– Por que filho ? Não desista do seu sonho, sei que é ele que te faz querer ir mais longe ! — Sua voz soa desanimada e ao mesmo tempo esperançosa.
– Eu preciso por meus pés no chão e aceitar que não posso ter tudo que eu quero, nem todos tem a chance de viver seus sonhos ! — Ergo um pouco o tom de voz, e ela sai mais bruta do que eu esperava, como se eu dissesse a mim mesmo que aquilo era perca de tempo.
– Escuta aqui Harry, não é porque não deu certo uma vez, que nunca vai dar, você precisa acreditar que é capaz de fazer isso dar certo, mas você deixou de correr atras quando perdeu aquela audição — Ela fala alto agora, e me faz lembrar da audição que fiz pra um programa de televisão.
Eu até cheguei nas finais do programa, mais fui eliminado, e depois disso não me inscrevi em mais nenhum programa, ela está certa, se eu quero conseguir eu preciso correr atras.
– Você esta certa ! — Solto um suspiro e me jogo na cadeira ao seu lado, e apoio os braços em cima da mesa.
– Não desanime querido. — Seu tom é suave e ela acaricia minha mão. Sorrio para ela, e seu dedo vai direto na minha covinha profunda, o gesto nos faz rir.
Balanço a cabeça e me sirvo de uma caneca de café, conversamos sobre seu turno no hospital, e sobre um cara, cujo o nome não prestei atenção. Passamos tanto tempo conversando que me esqueci de arrumar meu quarto, que por sinal ta uma bagunça.
Levanto da mesa, e recolho a louça suja e coloco na pia, minha mãe está concentrada demais em seu celular para notar que sai da cozinha, caminho em direção ao meu quarto, e começo a recolher as roupas sujas e joga-las nos cesto, empilho os cadernos e livros em cima da escrivaninha, junto meu tenis e minha bota no canto embaixo da cama, e estico os lençois da cama, acabei.
Quando me dou conta, estou super atrasado para ir a escola andando, pego uma troca de roupa qualquer e corro pro banheiro tomar um banho, droga ! Odeio me atrasar !
Em menos de vinte minutos estou pronto, calçando as botas.
Saio em direção a cozinha e chamo pela minha mãe.
– Mãe ?