07:00
Eu sinto o travesseiro batendo repetidamente nas minhas costas enquanto eu afundo meu rosto em outro. Poderia ser meu pai me batendo. Mas com essa força, com certeza é a minha mãe. Eu ouvi o despertador tocar umas três vezes, mas não consigo me mexer. A cama não me deixa ir embora.
- Acorda, garoto! Pelo amor de Deus! - É a minha mãe.
- Ah, sai daqui! - Ponho o travesseiro em que afundava meu rosto sobre a minha cabeça.
Sim, eu sempre tive o sono pesado, mas, ontem eu estava ansioso demais para dormir. Por quê? Bem, eu recebi a oportunidade dos meus sonhos e hoje é o famigerado "grande dia". Ou deveria ser, já que não consigo me levantar da cama e minha mãe não desiste tão fácil de me espancar com o maldito travesseiro. Uma hora isso vai começar a pegar fogo de tanto que ela me bate com isso.
- Dá pra você levantar dessa cama, por favor? Até o vagabundo do seu irmão tá acordado e você aí de gracinha. - Ela dá fortes tapas na minha perna. - Levanta! Anda!
O tom da voz dela é tão assustador que faz meu corpo levantar no mesmo instante. Esse rugido quase fez minha alma sair do corpo. Mas se isso acontecesse, eu ainda estaria na cama e com certeza, ela daria um jeito de pôr de volta no corpo e depois me espancar até sair de novo.
Eu finalmente consigo me levantar. Sinto um pouco de indisposição e parece que tem algo me puxando para baixo, mas isso, só fisicamente. Por dentro, eu consigo me sentir pior. Não que eu esteja me sentindo para baixo ou coisa do tipo, mas é uma mistura de emoções bem variadas. Não sei lidar com nenhuma delas ao mesmo tempo.
Caminho descalço pelo corredor até o banheiro que fica perto do meu quarto, graças à Deus. Quase morro só de imaginar o sofrimento de ter que dar mais de oito passos de manhã até o banheiro. Mal consegui levantar da cama. Desconfio de que eu ainda esteja dormindo até.
Fecho a porta e tiro a roupa. Evito olhar para o espelho assim que acordo, por motivos de: remelas, olhos vermelhos e rosto inchado.
Me posiciono em baixo do chuveiro e encaro o registro por alguns segundos antes de abrir. Sinto frio e eu sou o único dessa família que gosta de tomar banho com água quente. Ou seja: não há água quente. No máximo morna.
Meu pai bate na porta e diz:
- Anda logo, Hammel! Não tô ouvindo a água cair.
- Muito frio! Vocês não querem pôr água quente e sou eu quem tenho que passar por essa tortura todos os dias de manhã?
- Ah, para de palhaçada! - Eu consigo ouvir sua voz ficando cada vez mais distante e seus pés pesados batendo no chão. - Você mora no Rio de Janeiro e quer tomar banho de água quente? Vai morrer desse jeito! Escuta o que eu tô te falando.
Renato, o meu irmão mais novo, como sempre, não perde a oportunidade de se meter na minha vida e nem nas minhas conversas:
- Quer tomar banho de água quente? Esquenta a água na panela e joga tudo em um balde.
Até minha mãe dizer o que ela sempre diz:
- Renato, cala a boca! Vai dormir. Ninguém mandou você acordar.
Eu gostaria de rir. Mas não posso porque, com certeza, ele é quem está se dando bem agora. Eu adoraria ter mais alguns minutos de sono. Um pouco de água gelada pode ajudar, eu acho.
Respiro bem fundo umas duas ou três vezes. Hesito em girar o registro do chuveiro, mas giro de qualquer forma. Logo depois, me jogo pra de baixo da pequena queda d'água dentro do meu boxe. A água está apenas fria, mas a cortina azul royal misturada com verde água me passa uma sensação de ainda mais frio. Gosto das cores, mas ninguém merece isso.
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Cerberus - Parte I
Mystery / ThrillerO jovem e talentoso Hammel realiza o seu sonho de entrar para o melhor e mais disputado programa de jovens talentos do país. Mas seu pesadelo começa quando em seu terceiro dia, um dos alunos é assassinado. Junto de outros quatro alunos que estão env...