Ana abriu seus olhos, ainda ardentes. Queria ser uma criança, com direito de brigar com o despertador, direito de pedir "mãe, só mais cinco minutos", enfim, ela queria poder dormir mais um pouco. Queria fica mais algumas horas naquela cama confortável encaixada nos braços do amante. Nada para ela se comparava com dormir de conchinha: conforto, romance, aconchego e segurança. Pablo havia "vacilado" na tarde passada, mas com seu charme conseguira manter o afeto da mulher que descansava em seus braços depois de uma longa noite de fervorosa relação.
O rastafári abriu os olhos, incomodado com o zunir do despertador sobre o criado mudo.
-Já está acordada, Ana? - Perguntou Pablo, encostando a boca no ouvido da professora enquanto a apertava entre seus braços.
Ana ronronou algo parecido com um "sim". Não queria sair daquela cama, apesar do acontecimento no campo, e da conduta de Pablo que fez com que desejasse "meter-lhe o pé na bunda", não queria sair daquele quarto. Mas precisava. Faltavam dez minutos para às seis da manhã daquela tão esperada segunda-feira. Precisava erguer-se para o primeiro dia na árdua guerra no mundo da educação.
Respirou fundo, franziu a testa e, em um único movimento, afastou de si os braços do acompanhante e levantou-se da cama. Desfilando sua nudez, marchou para o banheiro determinada a tomar um banho, vestir-se, dar um pulinho em casa, vestir algo digno do seu primeiro dia de trabalho, tomar café... Tudo precisava ser perfeito.
Entrou no banheiro, dirigiu-se à ducha, girou o registro até a chuva morna tocar seus cabelos. Chuva revigorante, reconfortante, renovadora e inspiradora. A mulher fechou os olhos para melhor ouvir o som das águas, e inalar o vapor que preenchia todo o espaço. Estava com medo. Não confessaria isso para ninguém, mas estava angustiada. Todos que ouviram as novas da valente Ana Moura, ao invés de apoiar, apunhalaram seus sonhos e anseios. Seriam aqueles jovens oque disse Pablo?
Pablo!
A professora abriu os olhos, deixando o medo esvair-se e a decepção tomar seu lugar. A jovem mulher não conseguia entender como aquele homem havia lhe enganado. Quando se conheceram, nos primeiros dias de Ana em São Sebastião, Pablo Freire era uma pessoa engraçada, compreensiva, calorosa nos seus beijos. Ele, com todo aquele jeito despojado de ser, ganhou os olhares da recém-chegada. Mas, conforme o tempo passou, entre um passeio e outro, Ana teve de relevar os repugnantes defeitos do companheiro. Descobriu que ele curtia um barato regado à maconha... Tudo bem, suas ideias poderia ajuda-lo a libertar-se do vicio. Ele andava armado... Qual o problema!? A vizinhança era perigosa. Ele já matou um homem... mas foi legitima defesa. Ele é racista?! Gritou sua consciência.
Quantos mais defeitos aquele homem estirado sobre a cama ainda tinha para revelar?
Estava cansada de tudo aquilo. Da mesma forma que simpatizou com o homem dos longos cabelos, agora o estava renegando. Ele era um preconceituoso nojento, agora, sabia disso. Mas a questão era: "até quando iria mentir para si mesma que aquele homem tinha cura"?
A mulher já sentia-se diante do inevitável: o namoro estava no fim. Não haveria como manter-se com alguém como o rastafári. Ele não era especial... Não, ao menos se fosse bonito por dentro como era por fora...mas não era e não fazia questão de ser e talvez nunca fosse.
A morena juntou as mãos em concha diante do rosto, e subiu, deslizando-as sobre os cabelos molhados.
- Ele vai mudar...- Balbuciou para si mesma de olhos cerrados - Eu sei que vai... só precisa ter calma Ana, você pode ajudar ele a ser um homem melhor. Só você pode...
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MARGINALIZADOS
General Fiction"O que fazer quando o futuro do mundo faz questão de mandar à merda tudo aquilo que é íntegro e moral?" É com esse dilema que a jovem sonhadora e decidida professora Ana Moura inicia seu trabalho na famosa "escola infernal", em um bairro esquecid...