Delegado Araújo, ainda em pé, enfiou a mão mais uma vez dentro do envelope,tirando outras duas fotografias. Brasílio estava irreconhecível. Não se podia mais ver no rostodaquele jovem soldado as covinha que arrancavam suspiros das universitárias da cidade. Ondeestava os traços juvenis e os olhos verdes cheios de vida e brilho?
Caio forçou as rugas de suatesta. Não acreditava no que estava vendo, nem queria ver mais. Não podia ser verdade.Brasílio era um bom rapaz; era um jovem e valoroso herói da comunidade. Apenas 20 anos. Ojovem filho de haitianos, que gostava de cantar no caraoquê de São Sebastião nunca maisabriria a boca.
O jovem era um herói. Não tinha medo de morrer em nome de um bem maior.Aquele rapaz fez algo que nenhum outro na delegacia teria coragem... Foi como um canarinho sejogando no meio de centenas de gatos esfomeados que mesmo sabendo que tinha tudo para morrer foi em busca do que acreditava certo.
Enojado com as fotografias, o grande delegado sentou-se sobre a cadeira ainda sem acreditar no que estava diante de seus olhos. Como daria a noticia para os pais e a noiva do jovem herói? Comodiria "Dona Léa, seu filho está no necrotério, os noias passaram ele"? Como iria reagiraquela mãe ao ver o que ele estava vendo?
Malditas fotografias.
O delegado olhou-as umaultima vez e devolveu tudo ao envelope. Não queria mais ver aquilo: em uma foto estava umacabeça decepada, com olhos furados e rosto queimado por água fervente; na outra estava umcorpo moreno e esguio nu, com a barriga rasgada e os intestinos à mostra. Se Caio fosse umpouco mais fraco, de certo, teria vomitado. Ainda assim conseguia identifica o jovem na foto. Sem duvidas era o coitado do Brasílio.
O homem guardou o envelope em uma das gavetas e, com chama nos olhos, levantou-se e, empassos lentos mas firme, caminhou até a porta. A abriu de supetão e confirmou suas suspeitas: os dois únicos policias ainda de plantão já estavam a espera de uma manifestação sua.
Marcelo e Joaquim fitavam a porta com ansiedade, logo Araújo daria com as caras. E eledeu. A porta se abriu e eles viram o grande homem emergir da sua câmara secreta, em um silêncio tenso. Marcelo, com uma mão repousada sobre o coldre, e olhos fixos no do delegado,disfarçando o mal jeito e a tristeza, abriu a boca indagando:
-Então, Chefe, o que devemos fazer? - O superior olhou para Marcelo e então para Joaquim. Seu rosto era o mesmo de sempre: sério,vazio e indecifrável. Uma máscara a esconder os verdadeiros sentimentos. Um homem escondidoatrás de uma armadura intimidadora.
- S... Senhor!? - Chamou Joaquim, vacilante, fitando o piso da delegacia. - Devemosreunir as tropas e fazer o rapa nas bocas de fumo?- Araújo permaneceu sem da qualquer resposta.
Os dois se calaram, estupefatos com o silêncio do delegado que, sem nenhuma palavras, dando de ombros, passou por Marcelo e Joaquim. Não precisava de falar nada e nemde argumentos. Faria o que sua consciência mandar. Andou até a porta, desceu os setedegraus da entrada e saiu no pátio.
Haviam alguns veículos estacionados nas vagas em frente ao prédio. Entre eles um Corsa2010, que a primeira vista, olhando contra os raios de sol, era preto, mas ao chegar pertopodia-se ver o verde escuro que tingia a lataria do automóvel.Caio andou em passos largos. Fazendo uso de todo seu físico avantajado: alto, forte, um lutador nato e para completar bem vestido.
Quem o visse saindo pela porta da delegacia, jamais imaginaria que debaixo do terno havia umcoldre, e nele uma .40; e debaixo da camiseta rosa, quase branca, estava um grosso colete aprova de balas. Tudo em nome da própria segurança. Aquele não era um lugar seguro para ninguém. Araújoera Delegado há breves 3 meses, mas já fora o suficiente para sofrer dois atentados. Nãopoderia dar sopa desarmado e sem colete por ai. As lembranças dos dias em que tentaram tirar sua vida ainda estavam frescas.
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MARGINALIZADOS
General Fiction"O que fazer quando o futuro do mundo faz questão de mandar à merda tudo aquilo que é íntegro e moral?" É com esse dilema que a jovem sonhadora e decidida professora Ana Moura inicia seu trabalho na famosa "escola infernal", em um bairro esquecid...