cap. 1 - 6 personagens a procura de um autor

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     A primeira vez que tive contato com o garoto da janela em frente foi por meio da música.

Eu não sei bem de que forma, já que a cidade naquela sexta-feira esbanjava sons: buzinas, vozes e aquele ruido que parece brotar do asfalto.

O meu apartamento ficava no terceiro andar. Logo abaixo havia um comercio e, em frente, o bar que mantinha um movimento de segunda a segunda. Já conhecia todos os bêbados e mendigos do lugar. Cheguei a apelidar alguns.

     O "Frango", por exemplo, tinha um pescoço enorme e cortava o cabelo raspando embaixo e deixando uma penugem em cima. Costumava ir ficando avermelhado a cada gole de cerveja, o que o tornava ainda mais semelhante ao galináceo.

      O "Sapo" era o vendedor de loteria. Tinha um vozeirão e uns olhos grandes esbugalhados para fora. Chegava gritando números e bichos. Eram sempre os mesmos que compravam os bilhetes e, pelo que parece, a sorte nunca lhes sorriu. 
    
       Havia também uma mulher com cabelos tingidos de louro e que ficava trocando de parceiros à medida que ficava bêbada. Estava todos os dias lá no final da tarde. Fiquei sabendo pela vizinha do quinto andar que ela era uma viuva sem filhos. Amava profundamente o marido e, desde sua morte, deu pra beber. Apesar de ficar mudando se parceiros, ela sempre voltava sozinha para casa. Essa eu apelidei de "Rosinha".

      O dono do bar era gordo e peludo com um enorme bigode. Costumava usar uma boina. Foi o apelido mais fácil: Mario Bros. O nome caia como uma luva, ja que era o protagonista daquele estabelecimento de figuras hibridas.

      Não fosse o bar um relevo, eu poderia acreditar que estava assistindo a um filme surreal. Aliás, a minha imagem da janela era como uma grande colcha de fotogramas que costuravam o meu roteiro.

     O mendigo que ficava catando guimbas de cigarros jogados nas calçadas eu apelidei de "Bituca", por motivos óbvios. Usava um chinelo em um pé. O outro pé estava sempre descalço. Eu tinha um dó danado dele, mas também nunca fazia nada. Nem um prato de comida eu dei pro Bituca. A esmola incentivava a miséria. Era só o que me faltava. Virar um burguês revolucionário com um pôster de Che Guevara pendurado no banheiro.

      Estes eram meus personagens prediletos. Eu adorava ficar olhando os fixos e os intinerantes e inventado histórias.

      Nessa sexta-feira, o comércio, o bar, os carros, as buzinas e o ruido que o asfalto exalava não foram suficientes para abafar o som da flauta doce que vinha de algum lugar. Eu conhecia todos os sons que me rodeavam. Cada um tinha sua peculiaridade. Ate os milhares de ares-condicionado que formavam quadradinhos uniformes nos edifícios. Alguns se destacavam, como o do meu vizinho de baixo que pingava uma gota insistente no toldo de alguma loja. Tentava me acostumar com o barulho enlouquecedor, mas não conseguia. Ouvi dizer que isolar um ser humano numa sala com um pingo caindo incessantemente é uma das técnicas de tortura.

Por causa dessa gota d'agua, passei por emoções extremas, inclusive desejei matar o dono do apartamento. Depois cheguei a conclusão de que não iria adiantar nada. Viria outro morador e ligaria o ar e seu pingo.

A culpa era do toldo, que estava velho e todo furado de marcas de cigarro. O jeito seria destrui-lo.

Mas ai seria pior

Podia vir um novo bem esticado, sem furo nenhum, e eu perderia a chance de livrar-me do barulho dos pingos da chuva, que conseguiam passar magicamente pelos furos.

Só a havia dois jeitos: suportar ou suportar. E o vizinho era ate gente boa.
Fazer o que, se essa cidade ferve.

      Percebi que o flautista tocava o instrumento a pouco tempo, pois ainda errava algumas notas em "Jesus , alegria dos homens", de Bach. Logo depois começou a musica de fim de ano que ja foi executada com certa habilidade. O flautista devia ser alguem bem persistente. Repetia as sequências erradas quantas vezes fossem necessárias para fluir a musica inteira sem errar.

      Eu escutava aquele som que atravessava a rua e se sobrepunha aos sons da cidade. Curioso, procurava descobrir nas janelas a frente alguém tocando flauta. Coloquei meu corpo para fora da janela para tentar uma visão mais privilegiada, e nada.

      De onde vinha afinal esse som de flauta doce em meio ao amargo da cidade?

      Nessa primeira vez que ouvi, tive que me contentar  com os meus velhos companheiros do bar. Fechei a persiana e liguei o ventilador. O calor estava de matar. Eu podia ir ao cinema, mas estava na maior preguiça. Minha mãe vive reclamando que sou preguiçoso. Não è verdade. Ela não tem que acordar todo dia as vinte para as seis da manhã, e ainda por cima, para ir para escola. Ninguém merece. Deveria ser coisa de adolescente, ja que a maioria dos meus amigos sofrem do mesmo mal. Fim de semana, levantar da cama só se fosse pra comer ou ir pra alguma balada.

       Fechei ainda mais a persiana e entreguei me aos braços de Orfeu. Ei!! Antes que o leitor confunda olhos com bugalhos, vou apresentar-me e a Orfeu.

    Orfeu, o poeta da Grécia antiga, muita gente conhece. O pobre coitado perdeu a cabeça por amor. Literalmente. Comigo acontece o contrário, meninas perdem a cabeça por mim. Não me tomem como prepotente, mas as meninas dizem que mamãe passou açúcar em mim haha. Estou repetindo o segundo ano do ensino médio e não faço a menor ideia para que vou fazer vestibular. Tenho 17 anos, e ao 17 você pode ser qualquer coisa.

Um medico cirurgião ou um músico doidão. Tudo é possível. Tudo bem. Não estou nem para cirurgião, já que tenho horror a sangue, nem músico, pois não toco nem campainha. Tentei tocar violão. Comecei entusiasmado. Tocava todo dia. Aos poucos fui vendo, ou melhor, ouvindo, que seria necessário um esforço enorme da minha parte, ja que o resultado positivo era mais lento que as aulas de matemática, que eu destestava. Sinceramente, preciso mais que somar, multiplicar ou subtrair para viver?

     Passamos anos esquentando a bunda numa carteira de escola aprendendo equações que nunca estarão em equação nenhuma da vida.

Pelo menos para mim, que, embora não soubesse para que ia fazer vestibular, não duvidava de que, fosse qual fosse a escolha, seria na área humana. Exatas nem pensar.

O problema é que as áreas humanas normalmente não davam dinheiro, e o dinheiro é um dos grandes problemas do momento, o vil metal funcionava quase que como um teste vocacional.

A gente tem que escolher a profissão pela rentabilidade dela. Claro que preferia ser filho de rico, que tem tudo oque quer, diferente dos filhos de classe média, cujo a única herança é o estudo.

Sem estudo a classe media não chega a lugar algum. Estudando, a gente podia comprar o carro do ano, um apartamento na zona sul, sustentar os filhos, e ate viajar pra praia uma vez por ano com a familia.

     Esse não era o futuro que sonhava pra mim. Ora, eu tinha um mundo cheio de possibilidades e ia querer repetir o mesmo modelo dos meus pais? Não naquele momento em que tudo era possível.

     Até escutar uma flauta doce em meio a balbúrdia da cidade.

Oie!! Pessoas q lêem e vão ler essa historia!!
Estou Aki para entregar-lhes um projeto meu bem legal
Espero q gostem.
Ah!!! Não esqueçam d votar ein rsrsrs

signo de câncerOnde histórias criam vida. Descubra agora