Capitulo - 5

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        Meu coração estava acelerado,uma taquicardia. Tinha medo de respirar e me entregar. O flautista careca estava lá, exposto á minha iris e a minha imaginação. Parecia um alienígena mesmo. Percebo que ele buscava alguma coisa com o olhar. Procurava á minha íris? Alienígenas usavam sentidos diferentes dos nossos. De repente, ele estava captando o meu olhar. Mas o que um ser de outro planetá iria querer comigo? Quer dizer, não da mesmo pra entender esses seres. Os ufólogos ficam lá estudando, criando áreas de pouso para naves espaciais, aí aparece um ET num quintal cheio de lixo numa cidade do interior!

     Francamente, acho que o grande problema deles é o mesmo dos terráqueos: a falta de comunicação. Eles tem tecnologia suficiente para sair de planetas distantes, alcançar a velocidade da luz, tronsformarem-se em energia para essa longa viagem e depois transformar essa energia novamente em matéria e, aqui chegando, não falam com ninguém. Se bem que, caso o flautista careca fosse mesmo um alienígena, estaria tentando uma comunicação comigo, a prova disso é que me observava.

      Meu olho começou a lacrimejar. Não era uma lente que enxerga tudo sem pestanejar. Pisquei. O piscar dura menos de um segundo. A bomba de nêutrons pode destruir a terra em um abrir e fechar de olhos.

      Quando olhei de novo para a janela, o alienígena flautista careca não estava mais lá. Tampouco a luz estava acesa.

      Abri a persiana rapidamente. Quem sabe ele saiu e, em minutos, passaria pela portaria do prédio da esquina. Fiquei atento. Se bobear, nem pisquei. Sim, porque foi curto o tempo que observei antes que levasse um susto danado com as batidas na porta. Não precisei nem olhar para trás, era Bruno.

- Oi, Lucas. Você descobriu algo sobre o cara?

Eu continuava de olho na portaria, e acenei com a cabeça negando a constatação.

- Bem, seja lá quem for, parece ser alguém muito doente não é mesmo?!

                       *****************

   Essa ideia caiu como uma bomba de nêutrons em cima de mim. Um flautista careca? Doente? Parecia sempre estar sozinho. Bruno não sabia de mais nada, mas essas eram informações de fontes seguras. Recompensei a informação com um delicioso lanche que Bruno pedia pra por numa vasilha descartável, para que pudesse dividir com o pai e com a mãe. Arrumei a vasilha e ainda capriche mais na quantidade, para compensar a generosidade dele em dividir o lanche com o Elias e a Didi.

    Bruno pegou a sua matula e foi embora. Era quarta-feira e ele precisava usar gravata. Saiu resmungando: "Que saco... que saco..."

    Quando meu espião saiu do apartamento, a flauta voltou a tocar. Corri de volta a minha janela indiscreta e lá estava ele. Agora o contorno ia se definindo melhor. Deu até para ver a falta de cor em sua pele e a pouca massa muscular que tinha no corpo, um alguém realmente debilitado. E eu pensando que era um ser alienígena. Bem, digamos que de qualquer forma aquele menino careca flautista era um ser realmente estranho. Não veio de outro planeta, mas parecia que vivia no mundo da lua. Ele tocava uma música nova que não reconheci. Ficou durante um bom tempo sem se preocupar com a minha presença. Parece que tinha consciência de que Bruno me havia entregado todo o seu estado. Agora não adiantava esconder mais nada. Será?

                      ******************

   Com as cortinas da janela do flautista careca quase escancaradas por completo,  eu andava cismado com o sumiço do Bituca. A última vez que o vi foi no dia da convulsão do Sapo. Vai ver, um dos bilhetes de loteria que ele pegou no chão estava premiado e hoje ele era um ilustre desconhecido milionário. Teria uma tabacaria dentro de casa, bituca de cigarro nunca mais. Bobagem. Se ele estivesse milionário, essa hora eu já estava sabendo. Esse tipo de notícia espalha rápido. Quer dizer, o Bituca não era o tipo de cara que alguém ia preocupar-se. Vai ver, até morreu e foi enterrado como indigente. Sei lá. Acho que o Mário Bros não deixaria isso acontecer. O Bituca fazia parte do bar, como o balão ou a máquina de pinball, que substituiu a máquina de bingo. Durante o dia, um ou outro garoto jogava, mas a noite o pinball ficava completamente abandonado. Na época da máquina de bingo, era grande o movimento de otarios que apostavam suas moedinhas.

    Segundo a Didi, o Bituca foi um soldado da polícia militar. Certo dia estava treinando tiro ao alvo e acabou acertando e matando uma criança. Não conseguiu superar esse trauma. Foi expulso da polícia e enlouqueceu. Chegou a ficar internado num hospício, mas recebeu alta, não tinha família nem amigos, só uma baita culpa que o torturava nos momentos de lucidez. Mendigar foi o que restou. Há uns cinco anos vivia na minha rua. Não fazia mal a ninguém, mas encomodava muita gente.

     Não parecia incomodar o Mário Bros. Se o mendigo interferia negativamente na imagem da rua, ele era um objeto de decoração do bar.

    O Mário Bros devia ter um coração quase do tamanho dele, já que era baixinho. O dono do bar era generoso com todo mundo, bastaria o exemplo do Bituca, mas não posso deixar se citar também o Debi. O patrão nunca levantava a voz para o funcionário, que não era lá grandes coisas. Mário Bros era respeitoso também com as mulheres, inclusive aquelas que nem eram mulheres. O seu bom trato com os clientes valeu-lhe receber uma fauna de gente, quando passava da meia-noite, sem nunca ter tido uma ocorrência de briga seria no bar. A pior que testemunhei foi a do Frango com o Sapo, que nem briga direito foi. Digamos que foi um grande mal entendido, que, no final das contas, até serviu para que todos soubessem da epilepsia do vendedor de loteria e, sobretudo, aprendessem a lidar com ele durante uma crise. Bem, nem todo mundo é generoso como o dono do bar a ponto de enfiar a mão dentro da boca do Sapo e lhe puxar a língua espumante.

    Mário Bros devia guardar um segredo muito bem guardado. Ninguém é tão bom assim.

                      *****************

    Tudo bem, eu era um cara diferente. Gostava de ler e queria fazer vestibular para Letras. Tinha uma família feliz, sem maiores traumas. Era o gostosão das meninas e tinha um fã que era um irmão e um amigo. Mas há de se considerar que eu era um cara de 17 anos e onde somos todos iguais, eu não era diferente de nenhum cara da minha idade.

   Continuei comprindo a minha rotina diária. Diga-se rotina ouvir o meu flautista careca. Desde o dia em que ele se expôs, começou a rolar um clima ,digamos, diferente entre nós. Engraçado é que nenhum de nós se esforçava para tentar uma aproximação. Eu, por motivos óbvios. O mistério me fascinava e, como apesar da imaginação tão nobre, eu era um cara de 17 anos, apresentar aos amigos um cara careca, misterioso e estranho estava completamente fora de cogitação. Pelo menos por enquanto. Sei lá, talvez quando eu fosse mais velho, isso não fosse mais importar. Vamos ficando velhos e as necessidades se tornam menores. Necessidades ou exigências. Contento-me com qualquer pessoa que queira me acompanhar e manter uma relação de cuidados e atenciosidade.

    Nem músculos direito meu flautista careca tinha. Tudo bem, vamos considerar que ele era uma espécie de flerte virtual, só que em carne e osso. Quer dizer, pele e osso. Talvez nem fosse tão miúdo, caso não estivesse tão magrinho.

    Magro e careca, meu flautista parecia mesmo ter vindo de outro planeta.

  

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⏰ Última atualização: Feb 13, 2018 ⏰

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