1ª Produção do Projeto Distopia
Escrito por Marina Johas, Participação de: Luana Johas, Beatriz Caldas e Beatriz Nodari.(O desenho na multimídia foi feito pela Beatriz Caldas e representa o local aonde a história se passa)
Adultos se revoltam. Adultos questionam. Adultos criam problemas.
Por isso escolhemos as crianças. Crianças obedecem. Crianças têm medo. E se têm medo, podem ser manipuladas.
Mas como fazer isso se nascemos para questionar? Tudo à nossa volta é mutável. Vivemos em um mundo, de um jeito ou de outro, sem regras. Pelo menos sem regras o suficiente.
Todo o planeta Terra destrói o cérebro, corrói o pensamento e estimula a criatividade. Criatividade.... Algo que há algum tempo era criticada. Depois, inevitavelmente, passou a ser incentivada: O pior erro da humanidade, eu diria. Pois agora temos total conhecimento que esta é uma prática abominável.
Leva as crianças a se revoltarem. A imaginarem um mundo melhor. Não. O mundo não vai ser melhor. Desculpe te falar isso, mas o mundo é o que ele é agora. Deste jeito apenas iremos afundá-lo. O melhor é aceitar, obedecer e não criticar. Este é o certo a se fazer. Hahaha, destruí seus sonhos? Que bom, sonhar também não é saudável. Mas depois discutimos isso.
Por estas e muitas outras razões, tomamos a genial decisão de mudar as crianças selecionadas para Marte. Genial na minha humilde opinião, claro. Alguns podem discordar dos nossos métodos, mas sempre foi assim. O Progresso deve continuar. O Planeta deve ser preservado, antes que nós mesmos acabemos com ele. E a solução foi mudar o futuro da geração para outro planeta. Provisoriamente, claro.
Um novo planeta, uma nova geração. Uma geração cega, uma geração perfeita.
Os Integrados
É estranho olhar as montanhas vermelhas daqui. Queria ir até lá, mas não posso, o muro não permite. O muro, que apesar de não poder vê-lo, sei que está ali. Me cercando, me sufocando.
Observo a paisagem à minha volta, é tudo bem diferente aqui em cima, queria poder correr pelos Campos de Fogo, brincar nas Florestas de Demen e me jogar nos Lagos Abominato, embora eu saiba que suas águas púrpuras sejam tóxicas. Mas não posso. O dormitório das meninas fecha após a hora de dormir. Presumo que o dos meninos também. Aqui no terraço do dormitório é o único lugar que dá para ver as estrelas de noite.
De repente ouço um zunido ao longe. Droga, vou ter que descer. Os integradores não podem me pegar aqui. Se algum desses droidezinhos me achar aqui vão me mandar para o laboratório. Sabe-se lá o que acontece. Só sei que as crianças que vão lá voltam bem esquisitas. Bem diferentes, eu diria.
Eles me dão medo. Os orientadores dizem que ter medo é bom, que devemos ter medo, mas eu não me sinto bem com essa sensação. Queria que fosse diferente. Queria que eu fosse como as outras meninas que não se importam com isso, mas como eles dizem: Não devemos querer nada.
E eu acho que estão certos. Afinal quem faz isso não se mete em problemas. Quem faz isso não tem nenhum risquinho no braço. Já eu, tenho dois. Dois risquinhos que representam duas coisas erradas que eu já fiz. Mas não quero falar sobre isso agora. É meio chato.
Enfim, desço as escadinhas que eu cuidadosamente fiz com gravetos de árvore Aurora que eu catei na floresta de Demen uns dias atrás. Coloco a escadinha debaixo da cama e na hora que eu ia fechar os olhos, o sino toca. O dia começou. Todas as meninas levantam, começam a arrumar a cama e se vestir, isso enquanto conversam amigavelmente. Eu prefiro ficar quieta.
Andamos em fila até a sede. Chegando lá, essa fila se divide em quatro. Seguindo a ordem de chamada. Esta ordem que todos já decoraram há muito. Como meu nome é Zoë sou a última da última fila.
Aos passos que a fila vai andando, vou me movimentando para frente. Cada vez mais perto de um homem grande e sério, um forçador. Não que fosse algo extraordinário já que passo por isso todo o dia. Chegando a minha vez começa o típico diálogo.
- Nome?
- Zoë
-Código?
- F1U18J2A29
-Idade?
-Doze anos.
-Braço.
Mostro meu pulso direito para ele, que rudemente o segura enquanto passa o scanner, este rapidamente insere uma pequena agulha do meu pulso, marcando uma pequena bolinha abaixo dos riscos. Marcando mais um dia. Já tenho tantas que nem consigo mais contar, logo meu braço inteiro vai ser preenchido.
Sinto uma leve dor. Agoniante, mas suportável. Logo não iria sentir mais. Os riscos já não eram tão indolores de se marcar. Lembro até hoje da minha primeira inconveniência. Lembro da dor da agulha rasgando meu pulso para marcar o primeiro risquinho. Lembro também da cara de satisfação dos forçadores. Uma cara que eu nunca irei esquecer.
- Duas inconveniências. Mas uma e vai para o laboratório. – Disse o brutamontes sem soltar meu pulso
- Pff, eu sei, eu sei.. – Me arrependi do que disse no segundo que as palavras saíram da minha boca.
Ele me olha com ira, e começa a apertar meu braço.
-Isso foi uma ironia?
-N-Não senhor
-Peça desculpas antes que eu perca a paciência.
Perder a paciência? Sério? Minha vontade é de chutá-lo mas controlo minhas emoções assim como os instrutores sempre me dizem. Depois de uns minutos de relutância, eu fui vencida pela dor.
- Desculpe, senhor.
Ele me solta agressivamente. Meu braço fica com uma marca vermelha.
Vou andando seguindo a massa de crianças para o refeitório. Como algo que eu não sei o que é, mas tem um sabor açucarado. Com certeza tacaram quilos de açúcar para os meninos e meninas comerem.
Depois disso, seguimos para a aula. Não sei se posso chamar de aula, pois sempre ensinam Coisas parecidas.
Não nos ensinam matemática, então eu só sei do básico. Não nos ensinam ciências, a não ser os biomas de Marte e como não devemos sair da clareira e que por fora da cúpula tem mais e mais coisas perigosas. O resto da aula geralmente é a seguinte frase. Poucas palavras muitos significados, as palavras que se impregnam na minha mente. Ainda não entendi o significado completo, e não sei se quero entender.
Não questione. Aceite. Você está errado. Tudo está bem assim. Você é feliz assim.
O dia inteiro se passou. Minutos entediantes se tornaram horas desesperadoras. Saímos da sede como formigas saem de um formigueiro e vamos, assim como as formigas, todo o dia fazendo a mesma coisa. Sem expectativa de mudanças.
No caminho do dormitório passamos pela fábrica. Tusso com a fumaça intoxicante que sai da chaminé e vai para fora da cúpula. Pelo menos a fumaça é livre. Pelo o que aprendemos, o muro serve para a nossa proteção. Ele nos protege dos perigos de fora, filtra o oxigênio, libera o gás carbônico e outras toxinas como a fumaça da fábrica.
Chego no dormitório. Deito na minha cama, preciso esperar que todos durmam para poder subir para o meu refúgio. O terraço. Penso no que ouvi hoje na aula. Quer dizer, não só hoje. Todos os dias. Mas você entendeu. Será que não devo questionar? Ops isso foi uma pergunta. Não foi? Droga, hahaha. Mas uma. Pronto. Parei. Certo? Arggg! Não consigo! Tem perguntas em tudo!
Estava perdida em meus pensamentos quando ouço um estalo muito alto. Ah não... alguém tentou fugir. Esse é o barulho que o muro faz quando é tocado com força. Ouço choros de uma criança bem pequena.
Droga, droga, droga! Sem pensar saio correndo. Droga! Por que não posso apenas deixar para lá? Aff pelo menos agora eu concordo com os orientadores. Para de fazer perguntas e só corre logo.
Ah não, é só uma criança assustada. Não mais que sete anos. Pude ver no seu pulso, apenas poucas bolinhas. Não devia estar aqui há mais de duas semanas. Provavelmente vou me odiar por isso, mas empurro o garotinho para longe e digo para voltar para o dormitório.
Depois disso tudo parece ter acontecido muito rápido. Em menos de um minuto pelo menos uns 10 forçadores se juntam em volta de mim. Isso enquanto uns três integradores voavam sobre minha cabeça.
Olharam meu pulso. Duas inconveniências. Foi mais uma. Já era para mim. Os forçadores rasgam meu braço para marcar mais um risco. A dor é alucinante. Me sinto tonta, desamparada. Os homens praticamente me carregam para o laboratório. Me empurram para dentro do gigante prédio, tal qual eu nunca tinha entrado.
Um pesquisador vem ao meu encontro.
-Ah, olá garotinha. Que bom que veio, estávamos esperando por você.
Não respondi. Estava atônita demais para falar.
Por toda a minha volta, cenas horríveis impregnavam minha mente. Destruíam minha sanidade. Podia ver alguns pesquisadores abrindo o corpo de uma pessoa, via também animais muito estranhos vários homens discutiam ferozmente algum assunto.
Minha cabeça estava girando. Meu braço, sangrando. Sou conduzida a uma sala com a placa: "Testes" Tenho um milhão de perguntas, mas me limito a uma.
- O que está acontecendo?
- O futuro.
Não consigo mais falar nada, as palavras não saem da minha boca. Em vez disso, meu corpo encontra outra forma de se manifestar. Inevitavelmente começo a chorar.
-Está com medo? – O pesquisador me pergunta com um olhar sádico.
- Sim.
- Que bom.

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Oneshots
RandomNão apenas uma história, porém muitos pequenos universos. | Aceito pedidos! | -Todos os textos nesse livro foram integralmente criadas por mim. Qualquer tipo de cópia, ou repostagem não serão tolerados. Todos os direitos reservados-