Aquele era o terceiro mês seguido em que eu ia na maior paciência do mundo bater na porta da Mãe Fabi. Pensa que é fácil ser revendedora da Jequiti? Não é toda essa maravilha que o canal do "Patrão" supõe que seja nem de longe. Eu andava carregada que nem mula, vivia igual ismolé de porta em porta e no final do dia, tava mais assada que carne de churrasco. Além de não ganhar quase nada, o que eu consigo apurar vendendo essas merdas, só serve mesmo pra pagar as dívidas dos outros caloteiros que nunca pagam pelos produtos e acham que eu tenho obrigação de pagar pela amenização da feiura deles. Mãe Fabi era uma dessas desgraçadas, mas hoje era um daqueles dias em que eu estava pra matar ou morrer. Ou ela me pagava essa porra, ou eu fazia descer todos os santos do terreiro que aquela bruaca velha comanda.
- Norminha! - A veia estava varrendo a calçada e me olhou com uma cara de espanto tão grande que eu achei que ela ia cair dura no chão. - Vuc veio logu hogi qi tou tam atareifada, num tivi nem tempo di mim ageitar, fazê un cafezinhu. Sabe comu é, tempus da crisi, a coisa ta é dificio. Moi de qe num avisô que vinhá? - Olhei seriamente para ela e balancei a cabeça negativamente. A quem essa veia caloteira safada acha que engana? Se eu tivesse telefonado e avisado, ela arrumaria uma desculpa pra não me pagar.
- A senhora me disse pra vim no fim do mês. Cadê o dinheiro? - Disse com a cara fechada e estendendo minha mão. A veia se fez de desentendida e olhou para os lados, provavelmente com medo de que alguém flagrasse a nossa conversa, afinal o que tinha de fofoqueiro naquela rua, dava pra encher o estádio Lourival Batista e ainda sobrava gente do lado de fora. A quantidade de fofoqueiro só perdia mesmo para a de pingunceiro coçador de saco que não quer saber de nada com trabalho, e nisso eu incluía meu próprio pai e minha namorada, Karlão.
- Más se adentre aí minha fia. Brunélly, achegue aqui. Apois boti agua pra afervê qi nóis tem visita. - A veia pôs a cabeça para o lado da porta e começou a gritar. Eu ia protestar, dizer que não queria merda de café nenhum, mas a veia me lançou aquele olhar esguelhado e um sorriso sinistro e praticamente me empurrou para dentro. - Fiqi a vontade minha fia, a caza é di pobri, mas o corassaum é destamanhão. - Ela fez o gesto com a mão e aquilo quase me desarmou. Mas a cabrunquenta ainda me devia dinheiro e eu não ia deixar uma conversinha mole dessa me dissuadir. Acabei entrando e sentei num montinho de almofada que chamavam de sofá e larguei minha mala no canto. Não entendi como uma mulher que ganhava tanto dinheiro dando golpe nas pessoas, dizendo trazer a pessoa amada em 7 dias, não morava em um lugar um pouco menos decadente.
Meio minuto depois, eu vi a fuça já conhecida. Com o nariz vermelho encimado pela mesma espinha do tamanho da cabeça da Selena Gomez, Brunelly veio até o espaço que chamavam sala, me olhou dos pés a cabeça enquanto enxugava as mão no avental. Olhei pra baixo e vi um saruabinha de olho torto me encarando. Um ranho amarelado descendo pela narina esquerda. Aquilo me deu um nojo tão do cabrunco que eu quase vomitei o pão com ovo com kisuco de guaraná que eu tracei no almoço. Mas como sou guerreira, devota de São Jorge aguentei firme ali, afinal a causa era nobre. Aquele dinheiro me ajudaria a pagar o que eu devia na jequiti e de quebra livraria meu nome do spc.
- Oxi, mas né ninguém naoum, mainha. Axava que fusse visita dazimportanti. - Filha da puta! Como aquela safada espinhenta podre de suvaqueira, ousava dizer que eu não era ninguém. A veia deu a mesma olhada sinistra pra Brunelly e ela correu dando uns marrote com a cabeça igual bode, provavelmente pra fazer o tal café. Alguns minutos depois ela retornou com duas xicrinhas, uma delas com a asa quebrada. Mãe Fabi tratou logo de pegar a dita cuja e me deixou com a xicrinha menos feinha. Brunelly soltou o saruabinha zarolho, agora com o nariz limpo e ele já estava pendurado no pescoço da veia. Tomei coragem e ergui a xícara tencionando tomar o café. Mas que porra de café ralo era aquele? Dava pra ver minha cara no fundo da xicrinha. Puta que pariu e corno que amassou, nem pra fazer um café decente pra visita.
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Norminha (Camren e Norminah INTERSEXUAL)
Humor(...) - Norminha, me chama de Tarzan e vem aqui dá uma pegada no meu cipó, vem! - Ouvi alguém gritar e me virei. Era Dinajiane. Ela não perdia a oportunidade de me cantar. Não importava quem estivesse por perto. Mesmo perto de Karlão, que ela dizia...