Uma carta que nunca te enviarei

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Olá,
Essa carta talvez nunca chegue em suas mãos. Talvez nunca te verei mais. Como não vejo há meses. Não que eu me importe com isso. Aliás, não me importo com você. Não mais. Houve uma época que me importei demais, porém até hoje ainda não descobri se dava importância a uma máscara ou para alguém que passou por uma mudança brusca na alma. De qualquer forma, a lembrança que tenho e o sentimento que em mim habita, foi causado por ti.
Tu foi a cuidadora que, de todas que passaram pela casa de meu avô, me dei melhor. Só saía elogios da minha boca quando se tratava de você. Eu te adorava tanto.
Permiti que o chamasse de avô. A partir daquele dia, ele não era só o meu. Era o nosso.
Naquela época, ir aquela casa me dava um sentimento bom. Não havia mais tentativas fracassadas de achar alguém disposto a cuidar de vovô. Um pequeno vazio que em mim reinava, havia sumido.
Quando vovó ficou doente, as coisas que nós fazíamos foi acabando. Aos poucos. As brincadeiras que vovô fazia comigo, foram sendo extintas. Porém, de qualquer forma, era bom. Mesmo acabando, eu ainda tinha os dois lá, presentes.
Dia 28/12/2009 as coisas acabaram. Vovó se fora. E com isso, a alma do vovô, também.
Quando você trabalhou lá, de alguma forma inexplicável, parece que o passado voltou. Não da mesma forma, com as mesmas pessoas, mas no mesmo local. Eram risadas, conversas, histórias, brincadeiras. Minha avó não estava lá, meu avô também não era o mesmo que antes. Só que alguma coisa me remetia ao meu passado. Aquele que eu sempre tento voltar.
Seria extremamente incrível se todas as palavras que você falou enquanto esteve conosco não fossem mentiras. Tudo não passou de uma mera enganação.
Boatos rolam soltos pelo bairro. Por mais que eu não queira acreditar, não passam de brutas verdades.
Nesta carta, há um pouco do meu coração. Talvez com um pouco de mágoa, raiva e ódio. Mas ainda é o meu. Daquela menina que você conheceu. Aquela que te adorava. Não que isso seja algo que se importe.
Ah, caso não saiba, o Alzheimer dele está piorando cada vez mais. Espero que com isso, te esqueça. Muito provavelmente, já tenha esquecido. Fico feliz disso tudo ser deletado da memória dele, pois da minha ainda não foi. E nunca vai ser. Infelizmente.

Novembro de 2015

Retalhos de uma vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora