Capítulo 1 - O Nascimento do Capitão

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I

AS AVENTURAS DO CAPITÃO AMÉRICO

O Américo era um puto lá da minha rua. Morava num anexo acanhado que o senhor Manuel Perneta tinha construído para fazer duas garagens. A família do Américo mudou-se para lá no verão de 1983. A vizinhança nunca percebeu se o senhor Manuel ficou com pena do casalinho novo, com três filhos e sem abrigo ou se cobiçava os glúteos vistosos e o busto avantajado que a mãe do Américo exibia em decotes que escandalizavam as famílias de bem das vivendas com jardim e piscina. Lembro-me que naquele ano, a dona Flávia ficou grávida de gémeos. Na altura eu pensava que o tamanho do Américo estivesse ligado ao facto da família viver num cubículo de 20 metros quadrados. Talvez a escassez de espaço lhe afectasse o normal crescimento. Não estão bem a ver mas quando veio para a minha turma, no sétimo ano, o nosso querido "Capitão" tinha um bom palmo a menos que o resto da malta.

Antes de relatar o episódio que lhe valeu o epíteto de "Capitão" é minha intenção dar-vos a conhecer traços da personalidade jovial do meu bom amigo de juventude.

No primeiro dia de aulas admirei-me de ver o vizinho novo na minha turma. Afinal eu estava enganado e o miúdo não tinha oito anos. Naquele tempo as aulas começavam em Outubro mas passavam-se semanas bem boas de rambóia até que o elenco de professores ficasse completo e as aulas decorressem com normalidade. Eu imaginava que os profes em falta vinham de charrete de Trás-os-Montes com baús cheios de roupas a cheirar a naftalina, serviços de loiça, copos, talheres e mesas-de-cabeceira. Os docentes emigrados tinham que transladar vidas inteiras de bugigangas e traquitanas e por isso demoravam uma eternidade a chegar ou talvez fosse das resmas de papelada que tinham que preencher na secretaria da escola. Nunca percebi muito bem mas naquele ano, os furos nos horários serviram para atestar a compulsão faladora do Américo. Parecia uma grafonola ambulante. Era como se alguém lhe tivesse ligado a voz a uma tomada e fosse impossível desliga-la. Caneco, nunca mais me esquece. Na primeira oportunidade que teve chegou-se a mim e disse:

"Olá, eu conheço-te. Somos vizinhos. Eu moro no anexo do Senhor Perneta. Sabes quem é? Estou muito contente de ter alguém conhecido na turma. Já pensaste como é porreiro? Podemos ir juntos para casa. Já viste bem a caminhada que fazemos até aqui? Gostas de jogar à bola?"

Parecia uma metralhadora num pelotão de fuzilamento de perguntas. Rátátátátá ...uma rajada de perguntas e mal eu respondia, rátátátátá ...outra rajada.

A alegria dele era contagiante e depois do episódio com o grupo das betinhas da turma, o Américo tornou-se na mascote da rapaziada. Foi a cena mais hilariante do regresso às aulas de 1983 e acredito que ainda viva na memória dos que assistiram. Naquele tempo, não tínhamos mochilas catitas mas também não era preciso. Não havia mais do que um livro por disciplina e os professores fechavam os olhos quando a malta se esquecia do livro ou quando não havia dinheiro para comprar, de maneira que o bom do "capitão", à semelhança de tantos outros, costumava ir para as aulas passear um cadernito de capa preta e um livrito. Naquele dia, como não havia físico-química nem história ele trazia o caderno enrolado na mão. Estávamos à porta da sala 6 para entrarmos na aula de Português quando ele se saiu com uma ideia surreal.

Querem ver as cuecas da boazona ali?

O valentão não fez por menos e apontou o dedo à semideusa Isabel Venâncio. Uma loira de cabelo escorrido e pernas esguias que vestia uma saia comprida preta e camisa branca de colarinho bordado. Com treze anos, a gaiata já parecia adulta e era a Musa dos sonhos molhados dos adolescentes que frequentavam a Escola Secundária Bordalo Pinheiro. Constava que o pai era construtor civil por causa do Mercedes verde com que a costumava ir buscar à escola. O homem tinha cara de poucos amigos mas talvez desconfiasse que a malta lhe cobiçava a filha. Era dos poucos que iam buscar os filhos à escola. O resto do pessoal ia a pé ou de camioneta. Depois do episódio com o Américo o pai da Isabel pareceu-me mais feroz. Tinha ar de cão raivoso com a bigodeira farta e sobrancelhas de arame farpado.

O meu vizinho não esperou pela nossa resposta e mal demos por isso já se tinha infiltrado no grupo de raparigas em que Isabel reinava, soberana. Assobiava distraidamente o Malhão e fingiu tropeçar. O cadernito preto, enrolado, saltou-lhe da mão e só parou aos pés da deusa loira. Parecia um míssil teleguiado tal a precisão com que se esparramou junto à rapariga. O Américo teve a agilidade de um gato a saltar para cima de um novelo de lã. Agachou-se para apanhar o caderno. Ao levantar-se, agarrou-se à saia da pobre Isabel e levantou-a, expondo a zona erógena mais cobiçada da nossa escola. De repente, as betinhas do 7ºD viraram feras e desataram a correr atrás do "Capitão Américo". Escusado será dizer que as magricelas pernudas depressa apanharam o desgraçado e o que aconteceu de seguida não foi bonito de se ver. Larguem-me suas putas gritava, esperneando enquanto as "Amazonas" da minha turma lhe baixavam as calças e as cuecas, deixando-o de miudezas à vela...


OS HERÓIS CÓMICOS DA MINHA ESCOLAOnde histórias criam vida. Descubra agora