Venho por meio deste expressar o inexpressível, evitar o inevitável e imaginar o inimaginável. Pois a razão de eu escrever esse ensaio fez do impossível, possível. Que eu te perca em todos os lugares, mas jamais em minha mente.
Ser ou não ser, eis a questão. Eu seria o que sou se tivesse o poder de ser o que quero? Eu sou o que quero mesmo sem o poder de ser? Sei o que quero tanto quanto o que sou, nada, porque só sei que nada sei. Respostas vazias à perguntas vazias. É sobre o que se trata o século XXI, muita informação para pouco conteúdo. Ao menos, é o que diria o meu eu que vive nele, ele é o meu alter ego. Porque eu, o Bernardo que vive no século XV, considera toda informação valiosa. Aliás, amanhã devo processar muitas delas na tão prestigiada Université de Paris, na qual os meus pais não pouparam esforços em me pôr visando um futuro promissor para mim, ou devo dizer para eles?
Parece-me que uma coisa leva a outra, já que sou um czarevich. Um dia, devo, para o mal ou para o bem, arcar com o meu fardo de czar da Mãe Rússia. É empolgante na mesma medida em que maçante, a pressão imposta pela família real, minha família, me leva a crer estar longe do ideal que jamais alcançarei; nada é o suficiente para eles, mas o é para mim e espero que um dia sejam capazes de compreenderem isto. Paris não é tão interessante quanto julgam ser, já são três e quarenta da manhã e não consigo dormir, há barulho de carruagens provindo de todas as direções. Vou terminar de ler esse capítulo da Divina Comédia e esperar que o sono me apanhe.
Não há nada do que eu não seria capaz por mais algumas horas de sono, mas o sol é invejoso e já penetra pela janela refletindo a sua luz ofuscante, nada me resta fazer se não coçar os olhos e tomar banho antes que me atrase para a minha primeira aula de economia. Infelizmente, ser da nobreza requer nobre desgaste de tempo para se vestir e o atraso é inevitável, mas já aqui fora, sobre as populares ruas de Paris, me sinto entregue ao mundo. O movimento urbano, o ar puro de primavera, tudo é receptível. Poderia pegar carona numa carruagem por alguns francos, mas acredito que a caminhada valha a pena.
Alguns diriam que essa é uma universidade, pelo grau de felicidade dos universitários eu diria ser um circo, no mínimo. Ou eles são muito felizes, ou eu sou muito triste. Para todos os efeitos, comer uma maçã no caminho até aqui melhorou o meu humor. Inspeciono a universidade enquanto caminho pelos seus corredores até chegar em minha sala, que para o meu total espanto tem como professor Descartes(?), creio que não. Entro na sala e logo o cumprimento.
— Senhor..
— Antoine de Montchrestien. Me chame de Antô.
— Claro, "Antô". Me chamo Bernardo.
— Bem-vindo à classe de Economia, Bernardo.
— Grato, senhor. Digo, Antô. Me corrijo a tempo.
Sigo em direção a uma cadeira qualquer do fundo sem olhar para trás, isso foi um tanto quanto o que posso chamar de singular, não o cumprimento, mas Montchrestien estar me dando aula. Bom, nada de tão magnificente para esses nobres tão nobres quanto eu; só mais um dia comum em "Parri", como a chama minha mãe.
Aqui no pátio os parisienses não denotam mais tanta felicidade, o percurso ao sonho é um trajeto ardiloso. Para onde quer que eu olhe, me vêm um devaneio de lembranças da aula de Introdução à Lógica. Mas eis que o meu olhar perdido se mantém fixo, seria uma autista tentando construir uma casa feita de lápis? Me levanto da pilastra e ando até ela. Desastrada como parece ser, deixa o seu material didático cair ao tentar encaixar mais um lápis no que parece ser seu projeto de casa. Com o cenho franzido, me agacho e organizo o material sobre o meu antebraço, assim que erguendo meu olhar na direção dela encontrando os teus olhos brilhantes de encontro ao meu. Vejo o meu reflexo neles e me parece assustador.
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Multiverse : Le bonheur d'un monde qui compense la tristesse de l'autre
RomanceBernardo é um jovem aspirante à monarca em busca de sua razão existencial, tendo a encontrado no momento mais inesperado de sua vida.