Capítulo 5

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                                                                             O ESTRANGEIRO


  Suas pálpebras estavam pesadas, seu corpo desejavaimobilidade, esquecimento. No entanto, seu íntimo a fez acordare lutar pela vida. A primeira coisa que ouviu foi um longo suspiro.Sentiu que lhe molhavam a face. "O que aconteceu? Ondeestou?" — perguntava-se. Um débil gemido saiu de seus lábiosao sentir o frescor da água descendo-lhe pela garganta. Comimensa dificuldade abriu os olhos, deparando-se com um homemdesconhecido. Tinha a pele morena de sol, cabelos negros revoltose um olhar determinado. Por um momento ficaram se fitando eKrisna desejou mergulhar no negrume daqueles olhos. 

— Quem é... Quem é você? — conseguiu dizer com dificuldade. 

— Sou apenas um andarilho. Não se preocupe, não lhe fareimal — respondeu o homem, desviando o olhar. Estava todocoberto de poeira e tinha uma cicatriz abaixo da orelha esquerdachegando-lhe ao pescoço. Era pequena, mas profunda. Krisnasentiu vontade de tocá-la. "Bobagem" — pensou. Como saindode um transe, olhou ao redor de si. Aos poucos, foi recordando-sede tudo, ou quase, pois não sabia onde estava nem quem eraaquele homem. Ficava imaginando o que acontecera após oviolento tremor de terra. 

— O que aconteceu depois que apaguei? Como estão oshomens que estavam comigo? 

Krisna passou a mão pelos cabelos, mas não encontrou o lençoque o cobria. Verificou que as roupas estavam sujas de terra,entretanto não havia mancha de sangue nem estavam rasgadas. 

Por um momento ela pensou que ele não diria nada, mas depoisde muito hesitar, relatou o ocorrido, ou assim ela pensou, poisnão confiava naquele homem. 

  — Estava viajando por essas bandas quando ouvi o estrondo.Foi então que a terra tremeu debaixo de meus pés. Fui averiguara razão. Quando a vi, estava caída. Algumas pedras rolaram damontanha atingindo-a. Infelizmente não pude salvar seus homens— disse o homem sem olhar nos olhos de Krisna, que por algummotivo desconfiou do que ele dissera. Estava escondendo algo,disso ela tinha certeza. Apesar da tristeza ao saber do infortúniode seus soldados, ela desejava saber mais. 

— O que aconteceu depois? — quis saber, curiosa. 

— Bem — hesitou novamente — Eu tirei-a dos escombros,trazendo-a para esta caverna. Está segura aqui — disse eledesviando o olhar, era incômodo encará-la. 

— Você não viu nada de estranho? — insistiu Krisna. Agoraele olhava diretamente nos olhos dela, o que o fez perceber quenão estava delirando. Ela também vira a criatura alada. 

— Vi, mas não sei exatamente o que era aquilo. Nunca vinada igual — mudando completamente de assunto, ele fez umaafirmação já esperada. 

— Você é ela. Descobri assim que viseus cabelos sob os escombros. 

Novamente seus olhos se encontraram. Krisna reparou emquanto ele parecia forte, como um guerreiro, e essa constataçãodeixou-a de sobreaviso. Havia mais mistérios envolvendo aquelehomem, que por algum motivo inimaginável ela desejava decifrá-los. 

— Sou Krisna, a deusa de Anília. Obrigada por me salvar.Diga seu nome para que eu possa recompensá-lo.Sua última frase pareceu aborrecê-lo, pois interrompeu seuscuidados para com ela, levantando-se. Por um instante, Krisnapensou que ele fosse embora, mas se enganara novamente. 

— Não estou atrás de recompensas, Senhora — disse apósuma leve mesura. 

— Eu a salvei sim, mas é só. Pode me chamarde Negro — disse ele passando as mãos nos cabelos, um gesto que Krisna reconheceu como nervosismo. "Será que o afetaratanto assim ou era só encenação?" — perguntava-se. 

— Bem, Negro, se não aceita ser recompensado, peço queaceite meu agradecimento por ter salvado minha vida. 

Krisna levantou a mão direita em sinal de agradecimentoesperando que Negro a apertasse. 

— Agradecimento aceito — respondeu-lhe Negro, apertando-lhea mão. Um halo de luz azul e negro envolveu-os por brevesinstantes, deixando-os boquiabertos. 

Uma sensação de euforia efêmera se apossou de Krisna eNegro. Ao se afastarem, o halo de luz deixou de existir, deixandoapenas um suave rubor na face de Krisna. Não se lembrava daúltima vez que ficara encabulada. Negro pigarreou, se afastandoaté a entrada da caverna.

 

A Deusa de Anília e Outras Histórias (primeiros capítulos)Onde histórias criam vida. Descubra agora