Quatro tormentos ancoravam a depressão de Joseph no cais da sua vida.
Primeiro: "Por que as pessoas são fúteis?".
Segundo: "Por que diabos sou obrigado a ouvir as obras de Haydn o tempo todo?".
Terceiro: "Por que meu pai desapareceu?".
Quarto: "Por que sou meio louco?".
Joseph ouviu um tilintar familiar vindo do lado de fora da sua casa. Era a velha portinha da caixa de correio batendo. Sinal que o carteiro acabara de fazer uma visita.
"Tenho mesmo que sair do conforto da minha cama devassa para pegar o frio lá de fora? Que péssimo", pensou Joseph ouvindo o vento soprar um falsete horroroso de lamento.
Enrolou dois, três, cinco, sete, quinze minutos com os olhos fechados. Levantou da cama lamentando como o vento.
"Que dia mais frio. Não acredito que terei o trabalho de procurar um agasalho". Esfregou as mãos nos braços arrepiados.
Olhou para a cama quente e atraente que o chamava com voz sedutora.
— Venha Joseph, deita em mim que irei te aquecer.
Olhou intrigado para a cama, sentindo-se incomodado com a coberta enrolada no canto.
— Tenho que pegar as cartas. Contenta-se com a coberta até eu voltar. — disse sério, como se realmente a cama estivesse ouvindo.
Esticou a coberta sobre a cama, deu dois passos em direção a porta, olhou para trás analisando a coberta. Exibia algumas partes franzidas. Joseph voltou e a ajeitou, tornou a dar dois passos em direção a porta e olhar para trás. "Ainda não está totalmente esticada". Esticou um pouco aqui e ali deu dois passos em direção a porta olhou para trás e...
— Se eu passar a mão como um ferro de passar roupa do meio para as pontas terei um resultado me...
— PARA! Estou ótima assim, vai pegar a porcaria da carta logo — a coberta praguejou com ímpio.
Joseph tomou um belo de um susto, fechou a cara carrancudo e respondeu:
— É assim que me trata depois de tentar melhorar sua aparência? Ingrata! — deu um soco no cobertor o afundando sutilmente no meio.
— Estou decepcionada contigo Joseph — disse A Cama chorando. — Só te dou carinho e você me abandona para pegar cartas e ainda me agride?
— Ele agrediu a mim — interveio a coberta em um tom apático.
— Calem a boca! Não eram nem para estarem falando — disse Joseph impaciente.
Apreciou o silêncio após sua bronca. Calçou as pantufas negras e peludas, depois caminhou em direção ao armário. Ao abri-lo foi surpreendido pelos casacos implorando: "Escolha eu", "Ignora o moletom ele é brega, couro está na moda", "Acho melhor me escolher tenho capucho".
— Tanto faz pessoal, qualquer um serve, só irei buscar as cartas e voltar, não irei a um encontro.
— E se encontrar com Beatrice? Ahn? Vai querer que ela te veja com um moletonzinho fora de época? — disse o casaco de couro marrom com tom esnobe.
— Fica na sua ôoo... do couro, pelo menos eu não precisei ser cúmplice de nenhuma morte para estar aqui, e ainda tenho gorro...
— Até vocês estão discutindo? Vou de suéter mesmo.
— Vai parecer um velho babão com um suéter de losangos por aí — disse o Casaco de couro marrom.
— Alto-lá meu jovem! — interveio o suéter de losangos. — É imoral se desfazer de um agasalho tão nobre quanto eu. A educação deveria estar na mente dos jovens, e não a audácia excessiva.
— Tenha mais respeito senhor couro — disse um cachecol cinzento.
— Senhor couro? Está achando o que? Que fui feito de lã ou algodão para me chamarem de senhor?
— Pra que tudo isso só para escolher um agasalho que vou usar por menos de cinco minutos? — murmurou Joseph.
Pegou o moletom azul com capucho e o colocou.
— Toma essa, casaco de couro, seu palhaço. Agora vou convencer Joseph a ser vegano e dizer não a crueldade com os animais — disse o moletom se sentindo importante no corpo de Joseph.
— Tá, tá — concordou o rapaz impaciente.
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Joseph e o Peixe
Short StoryAtravés da correspondência do seu tio Johannes, Joseph descobre a verdade sobre tradição estranha da sua família. A tradição que tanto o oprime e o deixa depressivo. Mas além disso, Joseph possui um dom - ou uma loucura - que o permite ouvir a voz...