Lindando com o Mal

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O pior da dor, é que as vezes não sabemos de onde ela vem, não sabemos se é de dentro ou de fora, e pior ainda é quando ela é causada por quem você mais ama - Natasha Ribeiro

Acordei com o sol forte que atravessava as cortinas do meu quarto, indo de encontro ao meu rosto, abri os olhos e então me lembrei do que havia acontecido ali na noite passada, o lençol estava coberto de sangue por debaixo de minhas pernas, comecei a chorar lembrando da dor, lembrando de tudo que havia acontecido, lembrando de quando ele sorria para mim enquanto eu chorava para ele, como pode uma pessoa cometer tamanha barbaridade?
Comecei a chorar e me culpar, eu não sabia exatamente do quê estava me culpando mas no fundo isso parecia ser tudo causa minha. Encolhi minhas pernas entrelaçando-as com meus braços e chorei, eu escutava barulhos na cozinha mas havia um medo de ir até lá, medo de ver o rosto dele, o que iria acontecer hoje? O que mais ele faria ou fará comigo? Apesar da longa noite de sono, a dor não tinha amenizado e ela parecia piorar cada vez mais enquanto eu me lembrava do ocorrido.

Longos minutos depois de estar ali encolhida na minha própria cama temendo sair, eu escuto batidas de leve na porta, era ele!

- Melissa, levanta, já está na hora querida. - a voz dele soava tão doce e calma, mas mesmo assim não quis sair de lá, e minutos depois ele voltou a bater - Melissa eu não vou falar novamente - dessa vez a voz dele soava um pouco mais rude, e apesar de nunca mais querer olhar em seu rosto, eu sabia que não podia permanecer ali para sempre. Me levantei, vesti minha calça Jeans claro que minha mãe havia me dado no natal do ano passado, uma camiseta branca e por cima meu casaco de lã marrom, seria melhor eu ir até lá do que ele vir até mim, caminhei devagar até a porta e abri a mesma com cuidado, meus passos eram curtos e cautelosos, eu tinha medo, medo de olha-lo ou de chegar perto dele, eu estava chegando perto da cozinha e escutei os barulhos de copos e senti o cheiro bom de panquecas, sem ao menos olhar para ele, passei direto e me sentei junto a mesa que ficava do outro lado da cozinha, sentei e abaixei a cabeça evitando olha-lo.

- Bom dia meu amor, demorou para acordar - olhei-o de esquina e vi ele sorrir enquanto falava comigo e mexia em algo do cheiro bom na frigideira, como ele pode ser tão cínico a esse ponto? Como ele pode fingir que nada aconteceu? Eu o odiava, e a cada palavra, a cada sorriso, eu o odiava ainda mais.

- Dormiu bem bebê? - ele perguntou colocando meu café dá manhã a minha frente, mas eu não respondi, eu estava olhando para o chão, então senti ele levantar com furor e dizer: - EU ESTOU FALANDO COM VOCÊ - dei um leve pulo da cadeira pelo susto de sua voz, alta e rude, meus olhos lacrimejaram e a única solução seria responde-lo.

- Dormi bem - respondi com a voz de choro, enquanto ele se abaixava do meu lado, ficando sobre a minha altura.

- papai ama você minha princesa.

Ama? Amor? Tenho certeza que ele não sabe o significado dessas palavras. Eu queria jogar o café quente que estava sobre a mesa em seu rosto, de tanto ódio que eu sentia, nunca odiei alguém, e nunca achei que isso fosse tão forte, mas eu o odiava, odiava com todas as minhas forças, eu não iria conseguir dizer que o amava, porque o que sinto é o contrário disso, e não diria isso a ele.

- Ahan - Minha voz saiu como um resmungo e eu não estava olhando para ele, então senti ele pegar em meu queixo e puxar o mesmo com voracidade para olha-lo.

- OLHA PARA MIM QUANDO O PAPAI FALA COM VOCÊ!

Meus olhos estavam queimando de raiva, e eu sentia vontade de chorar, mas desta vez não de medo, mas sim de raiva, olha-lo só aumentava meu ódio.

- Olha meu bem, você não vai falar nada para ninguém sobre o acidente de ontem! - ele afirmou ainda segurando meu queixo com seus longos dedos, e eu permaneci calada. - VOCÊ OUVIU MELISSA? Se você contar a alguém sabe o que eu vou fazer? Matar a sua mãezinha que você tanto ama, vou fazer a mesma coisa que fiz com você ontem e depois mata-lá - ele disse sorrindo, e eu chorei, eu faria de tudo para que nada acontecesse com minha mãe.

- Entendi - Eu disse abaixando meu rosto e deixando as lágrimas caírem.

- Agora vá para a escola meu bem, já está bem tarde.

Me levantei e peguei minha mochila no quarto, indo de encontro com a porta de entrada logo em seguida, ele pegou em meu braço de leve e me abraçou. Aquilo me deu nojo, não queria senti-lo nunca mais, mas tentei permanecer firme.

- Te amo querida.

Ele parecia um maníaco bipolar, arrumei minha mochila e saí, não queria permanecer ali nem por mais um minuto.

(...)

Voltando da escola, meus passos eram curtos pois não queria chegar em casa logo, e ao virar uma esquina eu me encostei perto de um beco e comecei a chorar, eu estava disposta, eu não ia voltar para casa. Voltei o caminho percorrido, indo em direção contrária de onde eu deveria estar.

Duas horas depois eu já me sentia cansada e com fome, comi o resto do lanche que havia sobrado e continuei a caminhar, já estava de noite e as ruas estavam começando a ficar desertas, encontrei uma moça mais a frente com sacolas de compras, então corri até ela.

- Moça, por favor me ajuda - minha voz era ofegante e minhas mãos estavam em meus joelhos e eu tentava buscar ar, a mulher aparentava ter uns quarenta anos de idade, sua pele meio enrugada, branca, alta de cabelos castanhos.

- Querida onde estão seus pais? - ela perguntou se abaixando e colocando as sacolas no chão enquanto olhava para os lados como se estivesse procurando por alguém.

- eu não posso dormir na rua nem voltar para casa - respondi enquanto a mulher desconhecida me olhava.

- Por que não pode voltar para casa querida? - pensei em contar, mas eu mal sabia a palavra adequada para resumir o que havia acontecido.

- O meu pai... - e quando eu estava decida a contar, ouvi uma voz familiar se aproximando.

- Melissa, o que aconteceu? Papai ficou te esperando, achei que tivesse acontecido alguma coisa - era meu pai, ele veio me abraçando com os olhos molhados e com uma voz de preocupação, e eu chorei porque eu não sabia o que me esperava depois que a mulher fosse embora e eu voltasse para casa.

- Senhor, fiquei preocupada com ela, ela disse que não podia voltar para casa - a mulher disse se levantando e arrumando as sacolas em suas mãos.

- Oh Melissa, foi só porque eu disse que não iria comprar aquela boneca para você? Sabe a dificuldade que estamos enfrentando meu bem - ele disse se levantando e segurando em minha mão - Desculpe senhora, as vezes ela faz isso e me deixa preocupado.

Ele disse como se estivesse mesmo se importando, eu mal sabia que ele era bom ator. A mulher concordou com um sorriso e balançando a cabeça, meu pai seguiu o caminho pegando em minha mão, ele me olhou e eu abaixei a cabeça.

- Vamos conversar melhor em casa, querida.

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