Nasci com alguma coisa a menos. Talvez uma pequena peça de quebra cabeça faltando, ou um caco de vidro lascado, uma partezinha quebrada e incompleta de mim mesma. Às vezes essa ferida ainda sangra, como um corte profundo de uma cicatrização impossível.
De vez em quando tenho vontade de me esconder em meu quarto, me enfiar embaixo das cobertas e esperar algum sinal divino de que o lado de fora já é seguro. Entre tantas idas e vindas pela solidão, fiz amizade com meu monstro interior. Ele passou a morar debaixo da cama.
As sessões de terapia sempre me prometeram a normalidade. Mas nunca consegui preencher esse pedaço quebrado de mim. Nem com terapia, nem com amor, nem com muita, mas muita mesmo, força de vontade. Querer não basta quando o problema está intrínseco em nossas almas, como uma doença de nascença ou hereditária.
Nasci assim.
Meio quebrada.
***
O que é fácil para quase todas as pessoas que conheço sempre foi difícil para mim. Como um obstáculo para enfrentar todo dia, ou um pequeno degrau acima, rumo à normalidade. Quando consigo realizar alguma destas tarefas de forma satisfatória, sinto-me vencedora de um Oscar. Totalmente capaz de qualquer coisa. Quando não consigo, penso se triplicar as sessões de terapia seria uma ideia tão ruim assim...
Falar ao telefone é algo normal. Não para mim. Ah, como odeio aquele som agudo e irritante, a forma como não posso saber quem está do outro lado, pode ser um assaltante, um assassino, qualquer coisa! Odeio mais ainda quando ouço a seguinte frase:
"A Agnes está?"
NÃO! NÃO ESTÁ! ELA NUNCA ESTARÁ PARA VOCÊ!
Ainda não comentei, mas tenho sérios problemas de relacionamento. Oi, meu nome é Agnes e eu tenho muito medos. Medo de falar em público, de falar com pessoas que não conheço, de atender ao telefone, de fazer ligações, de ter que me socializar com pessoas desconhecidas... Tenho medo de tudo o que envolve pessoas.
Não é nada fácil ser assim. Até porque meu medo nunca me deu um atestado eterno no trabalho ou uma aposentadoria por invalidez psicológica. Tenho que enfrentar as pessoas, o desconhecido e a vida "normal" de trabalho e estudos todos os dias, mesmo que seja mil vezes mais complicado para mim do que é para o restante da humanidade. Assim acho pelo menos.
Fazer amigos também não é fácil. Se a primeira impressão é a que conta, pareço sempre uma idiota. Daquelas que tropeça nas frases, troca as palavras, gagueja, fala coisas sem sentido e não consegue se expressar direito. Às vezes mando logo um "Oi! Oi!" mesmo que eu só esteja vendo uma pessoa, outras vezes eu sequer cumprimento alguém que passou do meu lado. Pode parecer má educação, mas juro que não é! Se a pessoa não me olhar nos olhos e demonstrar que vai me cumprimentar também, simplesmente não consigo abrir a boca para dizer nada. É o maldito medo.
Por isso devo ter má fama por aí. Principalmente se o monstro toma conta de mim. Daí já era. Perco a noção do controle. Sou capaz de jogar uma cadeira na cabeça de alguém – no sentido figurado, é claro – ou simplesmente corro me esconder em meu quarto. Ora vem na forma de fúria, ora na forma de medo.
Na maioria das vezes tenho medo até de mim mesma.
Mas quer saber? Na maior parte do tempo sou legal. Apenas uma garota tentando seguir com sua vida, desejando alcançar alguns sonhos, procrastinando outros (ou seria todos?), tentando entender o que significa toda essa vida à nossa volta. Pois é, também penso muito. Não sei se isso é reflexo da ansiedade ou apenas mais um dos meus defeitos. Mas perco-me facilmente nas horas, pensando eternamente sobre tudo o que aconteceu, acontece ou acontecerá ao meu redor. É, é complexo, eu sei. Sou complexa.
Como se não bastasse, sempre achei minha relação com o clima algo anormal. É normal, digamos, sugerir se irá chover ou fazer sol, baseando-se no céu, no vento, nas nuvens, no dia anterior e, é claro, na previsão do tempo. Mas passa dos limites quando esse "achismo" cresce dentro de você, como uma inquietação que começa no peito e sobe à alma.
É como um fervor, um alvoroço dentro de mim, que simplesmente não posso explicar... Mas sei, logo ao acordar, se vou precisar de casaco ou guarda-chuva. Bizarro, não?
Apesar de tudo isso, eu sequer poderia imaginar as esquisitices piores que ainda me alcançariam.
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Pequena como grão de areia
FantasyO que você faria se sentisse não se encaixar na sociedade em que vive, ou ainda pior, simplesmente achasse não fazer parte deste mundo? Agnes se questiona há dezoito anos o motivo de se sentir tão deslocada, mas seus problemas de verdade só começam...