Capítulo 4

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Acordo num pulo. O quarto está envolto em trevas, então suponho que ainda é madrugada. Tateio meu criado-mudo às cegas, até alcançar meu celular. Um pontinho luminoso se acende, indicando três da manhã.

Ótimo, suspiro. Por incrível que pareça, não sonhei com nada. Ou se sonhei qualquer resquício do pensamento sumiu antes que eu acordasse. Encaro o quarto escuro pelo que me parecem horas, revirando de um lado a outro da cama, sem conseguir pregar os olhos. Ainda sinto um aperto no peito ao lembrar-me do sonho, do homem e se tudo isso quer dizer alguma coisa. Depois de muito esperar, finalmente caio de novo em um sono pesado e sem sonhos.

Acordo com o celular martelando em meus ouvidos, sentindo-me um lixo ao constatar que já está na hora de levantar. A cabeça dói, o corpo parece moído e meu cérebro implora por mais alguns instantes de sono.

"Só mais cinco minutinhos!", ele quase grita.

Infelizmente não posso obedecê-lo. Faço meu ritual rapidamente, decidida a chegar com antecedência no trabalho. As imagens de ontem ainda ferem minha mente como um punhal, como se pensar muito em alguma coisa fosse o suficiente para desvendá-la.

Faço um lanche na cozinha enquanto a água ferve no fogão. Arranco pequenos pedaços de pão francês e embebedo-os em pasta de amendoim antes de levá-los à boca. Meu estômago agradece com um rugido de satisfação. Já estou despejando a água quente no coador de café, e inspirando profundamente o delicioso aroma, quando mamãe surge na porta, com a face sonolenta e o cabelo castanho ainda despenteado.

— Bom dia, querida. Está adiantada hoje — Beatriz esboça um sorriso forçado. Nunca foi muita fã de acordar cedo.

— Oi mamãe. Preciso pegar uns livros para pesquisa — respondo enquanto sirvo uma xícara de café bem cheia, contemplando o vapor subir de forma poética.

Beatriz sorri e pega a xícara, bebericando pequenos goles da bebida e melhorando o humor a cada golada.

— Trabalho da faculdade? — ela finalmente pergunta, agora com a voz menos rouca.

— É, sim — minto. Não sou de mentir, mas não é tudo que posso falar para mamãe. Ainda mais quando a coisa é esquisita.

— Não se esqueça da sessão de terapia hoje, querida.

— Ai meu Deus — engasgo com o café. Havia esquecido completamente. — Acho que nunca vou me acostumar com isso.

Bufo enquanto pouso minha xícara vazia sobre a pia. Estou no segundo mês de terapia, mas ocasionalmente esqueço a data das consultas. Conversar com um psicólogo não é a coisa mais chata do mundo, mas é quase. A forma como o doutor me olha, como se eu fosse uma atração prestes a fazer alguma coisa bizarra a qualquer momento. E como minha vida parece imensamente chata e entediante quando estou contando.

Tem coisas que, definitivamente, nunca vamos nos acostumar.

Pego um dinheiro extra para a condução e despeço-me de mamãe com um beijo na bochecha. Sua pele está fria e pálida, com olheiras marcadas mesmo após a tentativa de ocultá-las com maquiagem. Imagino como deve ser difícil sustentar a casa, embora eu a ajude com um pouco de dinheiro. Literalmente pouco, pois a faculdade me toma quase tudo.

Enquanto deixo meu lar seguro para trás e me mesclo à multidão de pessoas na rua, permito-me pensar por um pequeno instante em meu pai, onde ele estará e, principalmente, quem ele é.

Cerca de uma hora depois já estou em meu destino, mais mal humorada do que nunca. Estamos no meio da semana e isso indica que meu nível de convivência social está se esgotando. Preciso de um tempo só para mim. Ou de muito tempo para mim.

Cumprimento os demais funcionários com um aceno e um meio sorriso, dirigindo-me imediatamente às prateleiras abarrotadas de livros. Ando entre os corredores estreitos, buscando a seção mais apropriada. Deixo um suspiro de desânimo escapar quando penso que teria sido muito mais simples pesquisar primeiro no acervo. Mas então avisto um pequeno e chamativo livro dourado, disposto entre tantos outros na seção de Filosofia. Retiro-o da prateleira, conseguindo ler seu título: "A Teoria dos Sonhos".

Contemplo-o por alguns instantes. Parece ótimo, certamente deve ter algo útil. Confesso ter me decidido com tanta facilidade através da capa reluzente, tão bela e convidativa como uma noite de sonhos bons. Sem homens misteriosos me encarando.

Levo o livro até meu posto de trabalho, guardando-o com cuidado para mais tarde. O dia parece calmo e eu torço para conseguir lê-lo o quanto antes.

Avisto Ema se aproximando e tomo o cuidado de camuflar meu livro em meio aos outros do balcão.

— Bom dia, Agnes! O que tem aí?

Maldita curiosidade.

— Oi Ema, trabalho da faculdade.

— Ah — Ema já franze o rosto. Nada que a interesse pelo jeito. — Ainda bem que já passei dessa fase! Nunca gostei de fazer os trabalhos.

— Nem eu — respondo já mais descontraída. Ema sempre parece melhorar meu humor, apesar da personalidade tão oposta. É uma das poucas pessoas que consigo conviver, aliás, com exceção de mamãe, acho que é minha única amiga.

— Tive um sonho tão estranho hoje — ela diz pensativa, debruçando-se sobre o balcão.

Meus olhos se arregalam.

— O quê? — pergunto curiosamente aflita.

— Sonhei com meu ex, acredita? Aquele canalha! Nem durante a noite me deixa em paz. Mas a pior parte era que no sonho eu voltava com ele!

Deixo escapar uma gargalhada, tapando a boca com as mãos em seguida. Ema sempre consegue transformar tudo em piada e deixar qualquer clima mais leve. E eu achando que ela havia sonhado o mesmo estranho sonho que eu!

— Ainda bem que foi só um sonho, não?

— Tem gente que diz que quando sonhamos com algo é porque irá se realizar — Ema responde, desferindo três batidas leves sobre o balcão de madeira. — Melhor garantir que não.

Que eu saiba bater na madeira é uma superstição válida para quando falamos algo, e não sonhamos. Mas guardo o pensamento para mim, evitando prolongar o assunto.

— Ah, olha aquela pilha! — Ema exclama, num misto de exaltação e desânimo, ao avistar uma montanha de livros bagunçados, deixados sobre uma das mesinhas de estudo. E nem sinal dos estudantes que passaram por lá.

Enquanto a bibliotecária se afasta, solto um longo suspiro. O assunto me deixara nervosa e inquieta, como se de repente um piano tivesse se materializado em minhas costas, pesando-me os ombros como um encosto.

Puxo "A Teoria dos Sonhos" do seu esconderijo e me permito folhear algumas páginas, com uma curiosidade voraz. Movo meus olhos do livro para a biblioteca, checando se há alguém por perto. Como não há ninguém, retorno até o sumário e leio com cuidado o título dos capítulos:

· O que é um sonho

· Por que sonhamos

· O que os sonhos significam

· Por que temos mais de uma vez o mesmo sonho

Deixo uma expressão de fascínio tomar minha face e um sibilo ininteligível escapar pelos lábios. É exatamente o que eu precisava!

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⏰ Última atualização: Oct 19, 2017 ⏰

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