Capítulo 3

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— Vou levar este, moça.

Um jovem de boa aparência diz enquanto coloca um grande livro em cima do balcão. Movo meus olhos do livro para o garoto, sem saber qual dos dois apreciar primeiro.

O livro parece bom, uma história de ficção fantástica com uma capa bem chamativa, onde pessoas – certamente vampiros – dançam ao redor da lua. Contemplo o livro em minhas mãos por um instante, antes de sorrir e dirigir-me ao rapaz.

— Parece bom! — exclamo.

Ele me desfere um sorriso tão radiante que sinto minhas pernas amolecendo. Digamos que não é sempre que vejo alguém provido de tantos atributos na minha frente.

Chuto que ele tenha uns vinte anos. Os cabelos são castanhos e compõe um visual bagunçado, o rosto apresenta traços delicados, como uma pintura rococó. Sua camisa xadrez em tons vermelhos completa o visual alternativo.

— Você também gosta de ficção fantástica? — ele pergunta.

— Mas é claro! Fantasia, ficção científica, terror... São meus gêneros preferidos — respondo, usando um tom de voz inevitavelmente mais alegre que de costume.

Seus olhos castanhos esverdeados sorriem para mim enquanto registro o livro no nosso sistema de empréstimo. Sinto minhas mãos tremerem quando o devolvo.

— Prontinho! São quinze dias de empréstimo, podendo ser renovado por mais quinze. A renovação agora pode ser feita pela internet também.

— Provavelmente eu venha pessoalmente mesmo — o rapaz pisca. — Obrigado — exclama antes de desferir outro sorriso daqueles em que você vê os perfeitos dentes brancos alinhados.

Sorrio de volta e continuo sorrindo por um minuto inteiro após o garoto sair da biblioteca. Sorte a minha não haver mais ninguém na fila para contemplar minha cara de idiota.

— Uaau! Você o conhece?

Ema já está pendurada nos meus ombros tentando extrair qualquer informação sobre o garoto.

— Estou apenas fazendo meu trabalho, Ema — retruco, desconversando.

— E enquanto isso eu arrumava uma pilha inteira de livros. Não é justo! — Ema gargalha em meio à expressão fingida de tristeza em seu rosto.

— Troca de salário comigo que eu fico no seu lugar rapidinho — abafo minha risada com as mãos, temendo incomodar as outras pessoas, afinal, ainda estamos em uma biblioteca.

Quando checo o relógio já está quase na hora de ir embora. Agradeço mentalmente por nada ter saído do controle. Hoje foi um dia bem parado no trabalho, o que me exigiu o mínimo possível em relação a convívio social. E o telefone mal tocou! Comemoro, enquanto meu pensamento acaba retornando ao garoto... Não posso deixar de vê-lo quando ele voltar.

Calculo os próximos quinze dias e faço uma anotação na minha agenda mental. E aí lembro.

O sonho!

Xingo mentalmente, ao constatar que não dá mais tempo de pegar livro nenhum para pesquisa, ou me atrasarei para a faculdade. Que droga! Tenho que descobrir alguma coisa sobre sonhos. Qualquer coisa que explique o porquê de ter o mesmo sonho duas vezes. E por que tudo parecia tão real...

Arrumo minhas coisas e saio apressada. Por sorte, Ema me dá carona até a faculdade, que, por mais sorte ainda, fica perto da casa de seu pai. Sorte demais dizer que ela vai para a casa do pai hoje e eu economizei minhas pernas, dinheiro da condução e ter que ver pessoas desconhecidas tentando puxar conversa pelo caminho.

Não. Definitivamente, não. Não nasci para isso.

Desço em frente à universidade, que nem sei se merece esse título já que é menor que uma escola de ensino médio. O local faz parte de uma depressão, por isso venta em abundância, numa velocidade capaz de acionar uma usina eólica. Desnecessário dizer que eu me precavi com um grosso casaco na bolsa.

Apesar do tamanho, o prédio é bem bonito. Uma construção simples, mas decorada com bom gosto. O Campus Central, forma como é chamada a 2ª unidade do Centro Universitário José de Alencar, abriga os cursos relacionados a línguas e a comunicação, sendo bem menor que a unidade principal, que oferece todos os demais cursos de graduação.

Alcanço em alguns minutos a sala 4, onde minhas aulas são ministradas. Esboço um sorriso tímido e amarelo para alguns alunos que já estão ali, com expressões igualmente cansadas. Ninguém me dirige a palavra, permitindo que eu me acomode em uma das últimas carteiras, encostando-me na parede gelada.

Checo o relógio apenas para constatar que ainda faltam dez minutos para começar a aula. Santa carona! Debruço-me sobre os braços, observando as pessoas ao meu redor. Alguns conversam entre si, mas a maioria está entretida o suficiente com seus celulares para notarem o mundo à volta. Entre uma e outra piscadela longa, caio no sono.

A claridade ofusca minha visão, a ponto dos olhos lacrimejarem. Tudo o que eu vejo é brilho, fulgor e luz. Tudo é tão dourado que os olhos ardem.

Na medida em que os segundos correm e meus olhos se acostumam, consigo discernir vultos e formas ao meu redor. Parece uma espécie de montanha, composta por uma areia fina, clara e reluzente. Abaixo-me até alcançar um punhado com as mãos, sentindo a textura áspera e fria.

Uma rajada gélida de vento atravessa meu corpo, congelando meus ossos e cobrindo-me com a areia dourada. Chacoalho as roupas e os cabelos, tentando me livrar do inconveniente pó. Olhando ao redor, a princípio, pareço estar sozinha. Vejo construções ao longe, espécies de casas, mas com aparência muita mais resistente do que as que costumo ver na rua. Tento olhar para o céu, contudo, a claridade é tão intensa que meus olhos se fecham antes mesmo de conseguir mover a cabeça totalmente para cima.

Sentindo-me inquieta e incomodada com o estranho lugar, entoo em alto e bom som:

— Olááááá?

O vento zumbe e minha própria voz ecoa, transformando-a num grito fantasmagórico. Viro de costas para a montanha, e finalmente avisto uma alma viva. Ou o que penso ser.

Um vulto se aproxima a passos lentos, transformando-se num homem com vestes escuras e longas à medida em que minha visão se torna nítida. Seus cabelos estão cobertos por um capuz confeccionado no mesmo tecido da túnica. Seu rosto traz uma expressão séria, mas da onde estou ainda não consigo ver seus traços com nitidez na pele morena. Chuto uns quarenta anos para o homem misterioso.

E então acordo.

Sobressaltada, suando frio e com a maquiagem – já um desastre – borrada e estampada na manga da minha blusa. Meus olhos ainda estão meio colados, e somente após piscar várias vezes avisto a professora já na sala e começando a aula.

Realmente preciso de uma boa noite de sono, ou vão pensar que sou um bicho-preguiça, dormindo em todo canto que encosto! Mas como vou conseguir dormir à noite se sonhei pela terceira vez e em um só dia com o mesmo lugar?

Sinto-me assustada, enquanto tento ao menos fingir interesse na aula. Adoro estudar, mas não quando um sonho que eu não faço ideia do que possa significar me persegue. Mordo os lábios enquanto ouço sobre o Arcadismo, entretanto, minha mente transborda entre um e outro grão de areia dourada.

Pequena como grão de areiaOnde histórias criam vida. Descubra agora