Volume 1: A vida (não) é um jogo.

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Prólogo: Noventa Minutos.

O apito do arbitro soou como um grito na escuridão. 89 minutos marcados de jogo e o duelo estava de forma inquestionável e justa, empatado. Dois gols para cada equipe e outras diversas chances desperdiçadas faziam com que o publico fosse ao delírio. O bom numero de espectadores não esperava um jogo tão empolgante e mesmo uma chuva torrencial não era capaz de assusta-los.

A cerca de dois passos da grande área um jovem se aproximava lentamente. Notava-se de longe que ele era diferente dos outros 21 jogadores em campo. Não pelo fato dele carregar em seu braço esquerdo a braçadeira de capitão, mas por sua aparência ser diferente da de seus colegas. Enquanto seus colegas possuíam traços muito similares, ele possuía uma beleza mestiça que só era encontrada em pouquíssimos lugares no mundo.

Tranquilamente, o jovem capitão pegou a bola molhada pelo gramado e pela chuva, colocando no ponto indicado pelo arbitro. Seus colegas deram tapas em suas costas, talvez como forma de aliviar a pressão no ombro do companheiro e amigo, que muitas vezes fizera o mesmo com eles.

"Ele era uma boa pessoa", era o que todos pensavam e talvez o jovem realmente fosse uma "boa" pessoa, mas para ele, títulos e adjetivos como esses não valiam nada. O que ele fazia era uma obrigação de todos, não algo digno de mérito. De fato, ele era um adolescente pouco comum. Carregar responsabilidades que não deveria acabaram o fazendo alguém maduro antes do tempo. Quanto ele já havia vivido? Foi o que ele se perguntou ao se posicionar para efetuar a cobrança da falta. O que ele perdeu? O que ele ganhou? Talvez seu ceticismo o tenha cegado a ponto de fazê-lo ignorar obviedades.

Em segundos porem, todos esses questionamentos voaram para longe e o jovem só tinha quatro coisas em mente: A barreira de apreensivos adversários, os 23 metros que o separavam do gol, o goleiro que gritava na tentativa de organizar seus colegas, e a rede que era seu alvo. Assim sempre fizera, Marcos Akira iria atingir seu objetivo, ele marcaria o gol. O apito do arbitro mais uma vez soou, e Marcos partiu com seu já famoso jeito de bater na bola; com um chute seco a mandou com um grande efeito por cima da barreira. A bola voava como uma criatura indomável pelo ar, seu destino? O ângulo superior esquerdo do gol. O resultado? Muito provavelmente seriam lagrimas, seja por alegria, seja por tristeza.

Esse seria o fim da historia de um jovem que se viu obrigado aprender a conviver com as limitações que a vida impôs. Essa historia, no entanto, não começou aqui. Ela começou em um belo país do outro lado do oceano, um lugar famoso por sua beleza e infelizmente por seus defeitos.

Um lugar chamado Brasil.

***

Capitulo 1: O que você vê?

Marcos estava sentado a mais de três horas no saguão de espera do infame Aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo. Lendo uma das revistas disponíveis no saguão, o garoto folheava atentamente as paginas procurando algo que fosse bom o suficiente para prender sua atenção. Infelizmente, as poucas noticias relatavam muito do que ele já sabia: Seu país apesar de um aparente "milagre econômico", possuía mais defeitos que qualidades. Marcos não odiava o Brasil, muito pelo contrario, ele amava seu país. Talvez esse respeito por sua terra natal fizesse dele capaz de ver fragilidades e problemas que muitos ignoravam.

Colocando a revista no lugar, ele encostou de forma relaxada na poltrona onde estava e com uma mistura de lamento e riso, decidiu dar inicio a uma conversa.

"Quer dizer que vamos trocar uma quantidade absurda de corruptos por uma quantidade ainda mais absurda de terremotos?"

O comentário de Marcos foi direcionado a três pessoas. A primeira delas era um homem asiático, de meia idade, que sempre parecia estar de bom humor.

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