Capítulo 2

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"Lemmy"

Alguém entra no quarto. Estou escondido no closet, mas posso ver através da persiana quando a garota loira invade meu espaço, com seus sapatos se arrastando pelo chão de madeira, me causando um arrepio na espinha.

Ela se aproxima da janela e a abre. Uma brisa fresca entra no quarto, juntamente com a luz do crepúsculo, me fazendo cobrir os olhos, que não entravam em contato com nada além da escuridão, desde que os últimos moradores foram embora. Há três meses, por minha causa.

A garota se aproxima da pilha de caixas que vi o homem da mudança trazer hoje de manhã e que, agora estão empilhadas no centro do quarto e, abre uma delas, tirando lentamente cada coisa de dentro. Por um momento, ela simplesmente observa tudo com seu olhar perdido, até finalmente cair em lágrimas. Ouço seus suspiros abafados pelo choro e os ombros trêmulos, de costas para mim.

Queria poder sair do closet e entender o que a deixa tão triste. Talvez pudesse unir a minha dor à dela. Reconfortá-la. Mas sei que nada disso é possível, não para mim.

--- Jordana --- Alguém a chama do andar de baixo.

A garota respira fundo, enxuga as lágrimas com a palma das mãos e sai do quarto, fechando a porta atrás de si.

Espero alguns segundos, antes de ouvir seus passos descendo as escadas e reunir coragem o suficiente para sair do closet. Estou a centímetros da caixa de papelão, que Jordana deixou aberta próxima a parede, quando meus sapatos esbarram em algo. Olho para baixo e vejo uma corrente prateada, me abaixo e a pego. Junto a ela há um pingente de forma redonda,   dentro uma fotografia : Jordana e outra mulher de mesmos traços, porém um pouco mais envelhecidos, parecem se divertir, com seus sorrisos largos e de dentes bem alinhados. As mãos de um homem passam por trás de seus pescoços e pousam suavemente em seus ombros em um abraço conjunto. Fecho o pingente e coloco o colar sobre a cama.

Algo fez com que aquele sorriso não fizesse mais parte do rosto de Jordana.

Caminho alguns passos até a porta e a abro devagar, tentando evitar que a dobradiça faça barulho. Passo pelo corredor e finalmente chego ao topo da escada.

Quando estou terminando os últimos degraus, evitando olhar para a mancha,  Jordana passa por mim, segurando mais uma caixa em direção ao andar de cima. Seu rosto passa a milímetros do meu, posso sentir sua respiração, quase ouço seu coração bater...Mas ela não me vê. Não sei se me sinto aliviado por isso, era como deveria me sentir, mas simplesmente não consigo.

Ouço barulhos vindo do lugar onde algum dia costumava ser uma sala de estar e, que agora é apenas um pedaço qualquer de uma casa vazia. O pai de Jordana organiza uma pequena adega ao lado da lareira, em uma ordem que somente ele seria capaz de entender. Me aproximo e o observo, em sua forma tão simples e básica de se definir como um ser humano e, penso que talvez eu ainda possa ser como ele.

  --- Pai, precisamos conversar --- Mas isso também me faz pensar que, alguns cenários simplesmente podem mudar de uma hora para outra...

Levanto os olhos para o rosto de Jordana atrás de mim, que me olha sem ser capaz de me ver. Ando dois passos para trás e esbarro em algo. Rápido demais para ser evitado. Uma garrafa de vinho é derrubada, com o estilhaçar de mil cacos de vidro no piso de linóleo. Seu líquido de um vermelho intenso como sangue, circula pelo caminho entre mim e ela.

Jordana passa por mim, acendendo um fósforo em um rastro de pólvora, o qual não consigo evitar a explosão.

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