Parte II

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PARTE II - Nathan

Eu abro a porta e acendo a luz, revelando pilhas de caixas a serem ainda abertas. Ela pula algumas, olhando por tudo a sua volta, admirada.

— Você tem bom gosto – ela se vira e seus olhos brilham, mas de repente sua expressão muda — Meu Deus, eu tô na sua casa e nem sei seu nome! – fala colocando as duas mãos na boca, claramente envergonhada.

— É Nathan – eu respondo, depositando seus pertences de qualquer jeito no sofá — Eu acabei de me mudar. Limpei tudo, mas ainda tem caixas para desembalar, então, por favor, não repare.

— Porra nenhuma – ela balança a cabeça em negação e se joga no sofá, completamente em casa, ainda admirando tudo à sua volta — Esse lugar é incrível.

Sento-me ao seu lado e olho para ela. Sua calça escura, seu coturno preto e sua camisa manchada folgada em seu corpo contrastavam demais com seu cabelo naturalmente claro e seus olhos grandes e azuis. Sem contar toda a cor em seus braços, o que a fazia ser interessante demais para parar de olhar.

Eu parecia bem sem graça perto dela, essa é que é a verdade.

Quando meus olhos sobem de volta para seu rosto, ela está me olhando ainda com aquele sorriso contornando a boca. Eu balanço a cabeça e sorrio também, pensando na virada mais do que ridícula que minha noite havia dado. Eu deveria estar na minha cama, de cueca, dormindo o sono dos justos, não sentado em meu sofá, em cima de pertences que não são meus, olhando para uma mulher linda e irresistível, porém estranha.

Isso estava surreal.

Eu sempre fui cuidadoso o bastante para deixar esse tipo de coisa acontecer. Sempre saí mais cedo para não me atrasar, sempre calculei os riscos de tudo. O máximo que eu me arrisquei até hoje foi tomar um suco de manga com leite na praia, e olha que eu passei mal por três dias.

E agora estou aqui, abrigando alguém que pode ser uma louca assassina.

Eu enlouqueci.

Inclino a cabeça para trás, contra o encosto do sofá e ela faz o mesmo, buscando meus olhos o tempo todo. Alguns segundos depois, como se adivinhasse meus pensamentos, ela solta — Obrigada por ter me acolhido. Achava que não existiam mais pessoas como você.

Minhas sobrancelhas levantam — É mesmo? E como eu sou?

— Bondoso – ela nem pisca olhando para cima — Alguém que faz o bem sem olhar a quem. Alguém totalmente diferente de mim.

— Diferente é bom – eu retruco, olhando agora para o mesmo ponto imaginário no teto.

Ela dá uma risada de escárnio, mas ao mesmo tempo bonita e gostosa demais de ouvir.

— Tô falando sério – eu continuo, e tomando coragem, pergunto — Qual a sua história?

Então, quando eu pensei que ela me olharia brava e diria que estou invadindo sua privacidade, ela apenas começa a falar.

— Filha única. Princesinha de um castelo que eu não queria que fosse meu, de forma alguma. Troquei o piano pelo cigarro, os cabelos escovados por esse corte moderno e rebelde – ela faz uma gracinha com os cabelos que eu acho fofo — E os terninhos de grife pelas roupas de departamento – se vira para mim, orgulhosa — Mas a cereja do bolo foi me apaixonar pelo baterista tatuado de uma banda trash metal. Sou ou não sou a filha que um governador pediu a Deus?

— Puta merda – eu jogo a cabeça para trás e gargalho, e ela completa — Provavelmente o tipo de garota que você jamais chegaria perto se não fosse essa situação – ela diz olhando para as obras de arte espalhadas pelas paredes e os livros de direito recém-organizados na estante.

— Engano seu – eu dou de ombros — A maioria das garotas que eu conheço são belas, recatadas... e chatas. Parecem todas iguais, como se tivessem saído de uma linha de produção de bonecas. Se você me permite dizer, eu te acho muito mais interessante que elas.

Ela me olha e sorri, e ficamos assim, olhando um para o outro até que depois de alguns segundos, as coisas começam a ficar estranhas entre nós. Eu tento não olhar para a pequena porcentagem de pele que sua blusa larga deixa a mostra e ela finge que eu estou conseguindo fazer isso, mesmo que meus olhos busquem por isso a todo instante.

— Acho melhor a gente ir dormir – eu finalmente consigo murmurar, mas sinto minha garganta secar. Passo uma das mãos por meu cabelo castanho, grosso e ela sem pedir permissão se inclina e faz o mesmo.

— Gosto da textura dele. É tão macio – fecho os olhos e me permito sentir seus dedos correndo entre as mechas, e quando abro, ela está próxima demais de mim. Por mais que eu queira dar mais um passo e fazer algo que meu corpo está pedindo desde que ela pisou os pés nesse apartamento, eu limpo a garganta e sussurro, sem graça.

— De verdade, acho melhor a gente ir – ela retira a mão e sorri para mim — Nós dois estamos cansados e é muito tarde. Eu tive um dia muito difícil e o seu provavelmente será amanhã – me levanto e ela me segue — Vou arrumar um colchão para você.

— Nathan, eu só tive dias difíceis até hoje. Talvez o dia de amanhã seja o melhor deles – ela me olha como se me agradecesse.

— Você não tem medo? Medo do que o amanhã pode te trazer? – eu pergunto, sem entender sua calma. Por Deus, ela não tinha mais um lar.

— Na verdade não. Eu espero ansiosa pelo que o destino tem para me dar todos os dias. Hoje ele me trouxe você, e isso mostra que ele pode trazer coisas muito boas às vezes.

Não consigo responder a isso. Eu apenas sorrio completamente fascinado, enquanto meu coração falha e meu pulso acelera.

Depois de arrumar um cantinho para ela na sala, me dirijo ao meu quarto, acreditando que finalmente essa sensação de formigamento vai passar. Quando estou prestes a fechar a porta, ouço sua voz, sonolenta e baixinha.

— Boa noite, Nathan.

Então eu volto, acendo para ela um abajur que já estava desempacotado, o que a faz sorrir, já que ela havia me dito que tinha medo do escuro. Finalmente apago a luz, finalizando de uma vez por todas aquela noite louca.

— Boa noite, Lizz.

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Um problema chamado Lizz [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora