Suco de Maçã

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A história se repetia todos os dias. Seu irmão mais velho acordava bem cedo e fazia questão que todos despertassem junto fazendo o máximo de barulho pela casa. Tomava banho com a música alta do celular ecoando pelos corredores. Tomava o café da manhã mastigando ruidosamente seu cereal favorito. Andava a passos pesados procurando seus tênis de corrida. Saía somente quando Sarah já havia (contra a sua vontade) levantado da cama com as enormes olheiras e o mau humor característico. Após perguntar se havia acordado sua irmã mais nova, João sempre se desculpava ironicamente e depois saía para sua corrida matinal. Voltava após uma hora e tomava o suco de maçã que sua mãe sempre deixava pronto na mesa da cozinha. Chegava morto de sede e, antes mesmo de fazer qualquer coisa, enchia um copo americano com o suco e entornava o líquido saboroso. Fazia questão de fazer barulho a cada golada para que Sarah pudesse ouvir. Depois de beber dois copos generosos ele sempre soltava um Ahhhhhh! enquanto a encarava fixamente.

Todo dia, sempre igual.

Após seu teatro matinal João começava a encenar o segundo ato do dia: Sentava no sofá enquanto se despedia de sua mãe que se preparava para ir ao trabalho. Ficava largado no sofá e – tão logo sua mãe saía – sintonizava a TV em outro canal. Os desenhos que Sarah gostava de assistir eram interrompidos e João sempre mantinha um sorriso no rosto enquanto fingia assistir ao telejornal. Sarah repetia a rotina de esperar o tempo passar até as duas da tarde quando João a trancava no banheiro o resto do dia para sair de casa e conversar com os amigos.

Todo dia.

Sempre igual.

João voltava sempre às oito da noite e demorava propositadamente uma hora para se "lembrar" de Sarah e destrancar a porta do banheiro.

Todo!

Dia!

Sempre!

Igual!

Mas o dia seguinte foi diferente.

Quando João acordou naquela manhã Sarah já havia despertado. Ele fez barulho. Ele tomou banho enquanto cantarolava no chuveiro. Ele fez o escândalo a procura do chinelo. Ele perguntou se havia acordado Sarah. E ele saiu para a corrida matinal.

Sarah pegou um pedaço de vidro que estava se descolando do vitrô velho do banheiro. Envolveu o pedacinho de vidro num pano de cozinha e usou um martelo para esmagá-lo. Bateu o vidro até que conseguiu transformar uma boa parte em pó. Colocou um pouco de pó sobre as mãos tomando cuidado para não se cortar.

Quando João chegou ele fez questão de cumprir novamente com o ritual. Estranhou que sua irmã não estava assistindo os desenhos como era costumeiro, mas decidiu encerrar seu teatro matinal como sempre.

Só percebeu que Sarah sorria quando deu a primeira golada no suco. Sentiu imediatamente a ardência dolorosa na garganta e se apressou em cuspir. O líquido que saiu era escarlate. Não demorou a perceber que estava vomitando seu próprio sangue. Os pequeninos fragmentos de vidro se enganchavam no interior da garganta dançando uma valsa demoníaca, ferindo a epiglote e fazendo com que o sangue entrasse lentamente nos pulmões. Jõao olhava incrédulo para sua irmãzinha que nesse momento olhava para ele e ria.

-Precisa de mais açúcar?

	-Precisa de mais açúcar?

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