Segredos Revelados

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Acordo.

Mosés está agarrado a mim, estamos cobertos de suor, ele nos cobriu com um cobertor, o sol invade as frechas da cortina do meu quarto, já parece ser meio tarde, demorou muito para que conseguíssemos dormir. Ele não parava de chorar um segundo, e tudo o que lhe dava era silêncio, compreensão e carinho.

Acho que nem se eu quisesse — mesmo— me afastar tão rápido de Mosés, eu conseguiria.

Muitas coisas necessitam de esclarecimento, de mais respostas, mas agora que estou sabendo da real verdade por trás da mentira de Safira, me sinto um pouco insegura em tocar no assunto com ele, porque sei que isso o fere numa dimensão imensurável.

Fecho os olhos.

Só queria poder ter acordado e esse pesadelo passado, toda a dor houvesse ido embora, mas está é a minha vida, ou nova vida, e a da pessoa com quem escolhi estar, alguém que teve um passado antes de mim, e assim como eu, tem feridas abertas e dolorosas quanto a traumas de infância, talvez até piores.

Muito piores.

Não entra na minha cabeça que alguém possa abusar de uma criança com tanta crueldade, não lhe dar comida, lhe dar ração, força-lo a ver cenas de sexo com cadáveres, depois alguém que abandona uma criança tão pequena com um bebê numa beira de estrada, e logo em seguida, essas crianças vão para um lar onde podem estar suscetíveis a abusos físicos e sexuais.

O que leva alguém a fazer isso com uma pessoa tão frágil? Com alguém que merece apenas amor e atenção? O que levou Bonnie a abusar de Mosés? Por que ela fez isso com ele? Será que ela não pensou nas marcas que provocaria nele?

Isso é tão nojento! Tão absurdo!

Seu corpo se move devagar, depois, Mosés me abraça com mais força, ele toca a minha barriga e entrelaça os dedos nos meus, guardo dentro de mim toda a pena que sinto por ele, porque sei que não devo sentir isso por ninguém, ainda que seja inevitável, eu não quero que ele perceba o quanto estou penalizada por sua história de vida.

— Acorda!— Ele chama baixinho.

Me movo na cama e me viro, ficando de costas, quando eu o fito, meu coração fica tão pesado que dá vontade de chorar. Mosés está com os olhos avermelhados, o semblante exausto, muito diferente de tudo o que vi, achei que eu estava destruída pelas palavras de Safira, mas acho que eu o destruí ao chama-lo daquelas coisas, apenas a menção de tocar no assunto. Ele toca a minha face e afasta os cabelos para trás com zelo, depois me beija a pontinha do nariz com carinho, seguro sua mão e entrelaço os dedos nos meus, depois a beijo com cuidado.

Alguém tem que ser forte...

Mamãe sempre me falava isso depois da morte de papai, mas ela nunca conseguia se quer ter estabilidade emocional, com tantas coisas que aconteciam, percebo que a única pessoa forte que vivia naquela casa em San Antônio, era eu, porque eu suportava a dor que me causavam por fora e por dentro, com pancadas nas saídas da escola, com a dor que sentia pela perda de papai, com a dor de cuidar de uma mulher adulta, que sabia zelar pela vida de dezenas de pessoas, menos pela de si própria ou de suas filhas.

Gostaria de poder dizer para Mosés o quanto entendo ele por sua dor, gostaria de dizer que isso é uma fase e que vai passar, essas coisas que pessoas otimistas falam, mas eu não sei ser assim, eu não consigo lembrar de nada para falar nesse momento, eu sempre lidei com a dor assim, empurrando e guardando ela, então, não sei exatamente como lidar com a dor dos outros.

Garota G.G II (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora