III - O Habitante

45 2 0
                                    

 A porta do quarto se abriu. Estava escuro. Muito escuro. Mesmo com as janelas abertas, a pouca claridade que vinha das luzes do jardim era suficiente apenas para lançar sombras fantasmagóricas sobre os móveis do amplo cômodo. Rogério foi o primeiro a entrar. Beatriz veio logo em seguida. O rapaz tentou acender a luz em vão. Não havia força na casa toda. Beatriz caminhou até uma cômoda.

 "Não tem sentido procurar por aqui. Não vamos encontra-la em nenhum lugar. Que ela ia tá fazendo aqui? Se escondendo de nós?"

 Rogério acionou uma lanterna que trazia consigo e iluminou as portas de um grande guarda-roupas. Sem reservas, arrombou a trava e abriu o móvel com violência.

 "Para! Tô ficando ainda mais apavorada. Porque cê tá fazendo isso?"

 "Porque quero que você entenda! Ponha na sua cabeça, de uma vez por todas, o que está acontecendo aqui! Tudo o que sempre aconteceu com sua família!"

 O rapaz atirou o que estava dentro do guarda - roupas no chão. Só parou quando encontrou o que procurava.

 "Aqui!"

 Beatriz se aproximou. Eram papéis, documentos, cartas, muito antigos.

 "O que é isso?", Beatriz abaixou-se ao lado de seu primo e começou a examinar os papéis.

 Tratavam de negócios realizados pelos parentes de Beatriz. Compra de terras, transferência de bens. Nomes de pessoas havia muito mortas. Nomes desconhecidos. Pertencentes ao passado. Num dos documentos, porém, a garota reconheceu uma foto carcomida pelo tempo.

 Levantou - se com o papel nas mãos. Um atestado de óbito.

 "Eu conheço este homem...", sussurrou, quase de maneira inaudível. "Foi quem eu vi com a Marceli."

 "Entendeu agora?", Rogério encarou-a nos olhos. "Percebeu a verdade? Eles MATARAM Orestes pra ficar com as terras! Aquela velha maldita planejou e ajudou a executar o assassinato do PRÓPRIO FILHO!"

 A garota, visivelmente abalada, andava de um lado para o outro, dentro do quarto.

 "Só que alguma coisa não deu certo. O morto voltou!", Rogério agachou-se novamente e remexeu os papéis." Ele tá aqui agora. Só não entendi porque levar a Marceli. Ele tem que se vingar da bruxa velha e do meu pai, que fizeram tudo e acabaram com a vida dele. Porque a Marceli? Porque você?"

 "Porque sua prima é a porta de saída desta casa, meu neto.", Rogério e Beatriz quase cuspiram o coração pela boca, tamanho o susto por não terem notado a entrada da velha senhora que agora falava com eles.

 "Você é a culpada, velha!", O rapaz se aproximou de forma ameaçadora da senhora idosa. "Você matou seu FILHO!"

 A mulher não demonstrou nenhum temor ante a ira do neto e avançou pra dentro do quarto. Agachou-se próxima aos papéis espalhados e os recolheu de volta na caixa onde estavam.

 Beatriz abaixou-se ao lado da avó e segurou uma de suas mãos. "Vó. O que o Rogério tá dizendo é verdade? O tio Orestes levou a Marceli embora?"

 A mulher olhou para a neta e, com a frieza de uma lápide estampada no rosto, simplesmente gesticulou com a cabeça em sinal afirmativo. Beatriz largou imediatamente a mão da matriarca e levantou-se, mais atônita que nunca. Não podia acreditar num absurdo daqueles.

 De pé, a senhora guardou novamente a caixa de papéis no guarda-roupas arrombado. Voltou-se para Rogério. "Quanto a você, marginal, se preza sua vida, é melhor não se envolver com o que não conhece!"

 "Desgraçada! - O neto bradou, furioso. "Vai nos dizer como trazer a Marceli de volta!"

 "Idiota! Nem eu, nem vocês, nem ninguém pode fazer nada!", a voz da matriarca assumiu um tom furioso, quase maligno, que assustou os dois primos. "Marceli foi levada porque Beatriz deve libertar Orestes desta casa. Se querem fazer alguma coisa para ajudar aquela infeliz, é melhor começarem a fazer o que eu mando!"

A Ameaça dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora