PREFÁCIO
Quando a montanha veio a baixo e a represa destruiu a cidade, centenas foram destruídas. Pais que nunca mais encontrariam seus filhos, filhos que nunca mais encontrariam seus pais. Amores que ficaram por casar. Puras e longas linhagens que nunca mais seriam reconstruídas. Moradias próprias, sonhos de ter seus carros, folclore que só existia naquela montanha e mitos e crenças que lá reinavam. Aos que sobraram, viveriam com duvidas e dívidas eternas com Deus. Para raros, fora dado o dom de encontrar seus amores. Para poucos, o dom de enterrá-lo. Mas para a grande maioria, viveriam eternamente na dúvida de seus entes nunca encontrados.
Logo o governo veio, numa de suas "belas demonstrações de bondade" e preocupação com o povo, ofereceram abrigo até suas novas moradias serem instaladas. Mas, como deixar a montanha que sempre fora o refúgio de centenas ali, que hoje não passava de uma gigante ilha, e viver na cidade grande? O Governo oferecera auxílio, medicação e cestas-básicas nos primeiros anos, mas depois, foram cessando os mantimentos, até por fim, cortar tudo. Durante anos, o rei das pessoas ali, Cael Martel, as convenceram a partir da montanha. Até que sobrou somente Cael, a Anna, o Padre Donizette e um jovem guri, sobrevivente do desastre, adotado pelos 03 ali. Sem a sua família original, Ian, um indiozinho, teve como pai adotivo o Cael, sua figura materna a Anna e seu avô o Padre.
Por 06, angustiantes, dolorosos e terríveis anos, que fizera Cael Martel desistir da sua vida várias vezes, ele esperara a pessoa que ele mais amou retornar a sua casa. A pessoa que jamais desistiria dele. A pessoa que fizera ele quebrar todos os paradigmas, promessas e construir sonhos, o tão domador de touros e Cael, Yuri Martel. No inicio não fora fácil aceitar que o Yuri, aquele homem que moldou o antigo peão, fosse, para sempre, fadado a viver preso dentro de suas memórias. Até onde elas iam? Ninguém sabia. Ainda no início, o Ian, o jovem filho deles, fora necessário ficar um pouco longe, até o Cael aprender como o quebra-cabeças do Yuri funcionaria.
- Ian, quero que conheça uma pessoa – pediu o Cael que trazia, de mãos dadas, um rapazinho magricela, de cabelos negros, pele morena e janelinha na boca, até ao lado do Yuri – Você sabe quem é esse moço aí Ian?
O Yuri encarava o Cael boquiaberto.
- Sim, eu sei! – respondeu o garoto enfiando nas pernas do Cael.
- Então diga para nós.
- É o pai Yuri!
Ambos se encararam, sorridentes, mas estáticos em seus lugares.
- E... nessa hora o pai Yuri se agacha e pega o seu filho, Ian Martel, no braços.
O Yuri deu um passo a frente e se ajoelhou para que ficasse da altura do jovem. E lá eles formaram o primeiro laço entre eles. Era visível nos olhos do Yuri e o seu jeito com que encarava o guri, que o garoto tocara sua alma. Poderia ser ali uma ajuda ao seu problema, assim como seria um fardo dividido entre o Cael e o filho. Assim os dois poderiam cuidar do Yuri. Logo, "A Família Que Sobreviveu" (bem estilo Harry Potter) partiram rumo ao Uruguai, numa cidade chama San Carlos. No início eram a sensação da pequena San Carlos, após anos, viveriam como uma família normal.