PARTE III

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Distante, em busca de novos territórios a serem conquistados, Jabari e seus colegas apenas ouviam sobre as barbaridades cometidas por alguns dos líderes farroupilhas e questionavam-se sobre os ideais pelos quais lutavam. Valeria a pena apoiar a carnificina de uma vila popular, ou o roubo de uma mulher casada, pela conquista da liberdade? E quanto tempo mais a guerra duraria? Estavam cansados de tanta violência. Queriam liberdade e paz.

Porém, a vitória final foi ficando cada vez mais distante. A guerra só fazia bem para os estancieiros, que enriqueciam mais e mais, enquanto que a população da província Rio-Grandense empobrecia e passava fome, enquanto chorava o luto por seus familiares feridos e mortos em batalhas. Moças e mulheres nunca mais veriam seus pais, maridos, irmãos e noivos. Outras ainda buscavam forças para continuar rezando e esperando pela revolução que nunca acabava e pela decadência que só aumentava.

Apenas uma parte da tropa, mesmo cansada, continuava em ascensão: os lanceiros negros. Com a morte e a incapacitação de muitos brancos, centenas de escravos foram mandados para lutar em seus lugares, mais uma vez com a promessa da liberdade. Disciplinados e brutais, já eram quase mil homens que formavam dois corpos de lanceiros. Filhos da liberdade, lutavam cada combate sabendo que dependiam da vitória para a sua própria libertação e a de seus irmãos de cor. Acreditavam que o objetivo estava próximo e a tão sonhada emancipação chegava. Foi por isso que não estranharam quando, certo dia, Davi Canabarro aproximou-se deles e ordenou:

— A guerra está ganha. É só questão de dias. O último passo é irem até o Cerro de Porongos. Montem acampamento e permaneceram por lá até segunda ordem. Deixem as lanças, as armas de fogo e as boleadeiras aqui. Levem o mínimo de coisas. Teixeira Nunes vai liderar o acampamento até lá.

Sem delongas, o grupo arrumou o necessário e partiu para não muito distante dali. Ao escurecer já estavam no novo local, prontos para passar a noite. Não entendiam porque se deslocaram até o lugar e nem porque vieram desarmados. Mas se era ordem do general, não questionavam. Apenas obedeciam. Tudo fazia parte de um plano maior. E como Canabarro dissera: a guerra estava ganha e logo eles seriam donos de si mesmos como sempre sonharam. Naquela noite, resolveram comemorar a liberdade. Colocaram o churrasco pra crepitar no fogo. Riam e conversavam alto, relembrando os poucos bons momentos. A tropa estava feliz como há muito tempo não se via. As poucas e secas ordens do general foram suficientes para dar um ânimo novo ao grupo. Os quase seiscentos lanceiros que montavam acampamentos no Cerro de Porongos riam e comemoravam a vitória iminente. Ia acabar todo o sofrimento!

Até mesmo Teixeira Nunes bebia e ria com seus colegas negros. Apesar de ser o segundo em comando, era mais amistoso que Canabarro e como um abolicionista declarado, não via problemas em se misturar com eles. Aquela tropa conquistara sua liberdade e demonstrara toda a lealdade pela causa republicana.

Jabari conversava numa rodinha com os amigos. O chimarrão passava de mão em mão, assim como a garrafa de pinga. A noite esfriava, mas ele mal reparava, enquanto chupava a água quente e amarga que vinha da bomba, escutando um dos outros falar:

— Uma de minhas filhas era bebê de colo quando meu senhor me mandou para cá. Já deve ser uma menina feita! Fico triste por não ter visto ela crescer. Mas me consola saber que o futuro que a espera é um futuro de liberdade.

De repente, Jabari se sentiu melancólico: talvez essa menina não tivesse sobrevivido para ver o país que o pai conquistara para ela. Como o momento era de comemoração deixou o pensamento passar e tentou se focar em coisas alegres. Deu a última roncada no chimarrão. Entregou a quem estava servindo o mate e pôs-se a falar:

— Eu quero encontrar a minha Niara de uma vez. É a mulher mais linda dessa república! Ela é a minha motivação de estar aqui. Foi por ela que vim.

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