Prólogo

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O meu peito doía-me,  como nunca me doera antes, saltitando freneticamente devido aos soluços  que a minha garganta implorava em largar. Eu sabia que a dor era devido  ao choro intenso que eu largava há mais de cinco horas, sem conseguir  parar um único segundo, mas também sabia que aquela dor física, que  abraçava o meu peito, estava longe de ser tão dolorosa quanto a  psicológica, que por sua vez, me ia acompanhar o resto da minha vida.

O coração doía tanto. Eu sentia a minha alma perdida, — tal como eu. Eu estava perdida. Totalmente perdida.  Sem explicações ou esclarecimentos, e o pior, é que eu não conseguia  saber porquê. Ninguém me aclarava. A minha cabeça trabalhava todos os  minutos, tentando encontrar algo que me esclarecer-se, mas não haviam  desculpas palpáveis, porque não havia quaisquer motivos para isso. Não  havia motivos para eu estar a sofrer daquela maneira. Não havia motivos,  para neste momento, estar a ver o meu pai a ser enterrado.

O choro intensificou-se  quando a terra seca começou a riscar a caixa de madeira brilhante que  agora guardava o meu progenitor. Sentia olhares piedosos de várias  pessoas que me acompanhavam naquele amargo momento. Não conhecia  ninguém, mas deduzia que toda aquela gente conhecesse os meus pais.  Imagino o que lhes passaria pela cabeça. Uma pobre menina indefesa,  emigrante e sozinha, que acaba de perder o pai num momento insólito e  com a mãe internada no hospital, grávida de 7 meses e a correr risco de  vida, tanto ela, como o meu pequeno irmãozinho. E o porquê? Eu não  sabia. Não fazia a menor ideia do que tinha acontecido e não havia uma  única alma que se sentasse comigo e me esclarecesse tudo.

A pior sensação do  mundo não é só perdermos quem amamos, mas perdermos quem amamos e não  sabermos como isso aconteceu e o porquê de ter acontecido.

— Os meus pêsames,  querida Angeline. — Dignei-me apenas em mover os olhos. Olhei de relance  para cima durante uns meros segundos e vi a figura de uma mulher alta,  loira, carregada de roupa preta e que escondia o seu rosto atrás de um  grandes óculos de sol, dirigindo-se a mim após o enterro ter acabado.

— Obrigada. — Agradeci friamente, sem ter coragem de levantar a cabeça e endireitar a minha postura.

— Se precisares de  alguma coisa, basta procurares por mim. — Eu nem sabia quem ela era e  não tinha intenções de saber. — Estarei à tua disposição para te ajudar  no que for preciso.

Eu não iria precisar de ninguém. Só precisava dos meus pais, bem e comigo.

A moção à minha volta  começara e todos se dirigiam para a saída do cemitério. A minha cabeça  não levantava e os meus pés forçavam-me a continuar ali. De frente para a  terra que aquecia o meu pai. Alguém me puxou pelos ombros, forçando-me a  sair dali e a tirar aquela visão hórrida da frente dos meus olhos.  Exausta de tudo o que havia acontecido nos últimos dias, cedi e comecei a  andar, encostada a quem quer que fosse que estivesse ao meu lado. Os  meus olhos imploravam em não sair do chão e eu também não os forçava a  encarar nada mais além daquela terra batida.

— Angeline Bennett?  —  Uma voz forte e grave chamou por mim, obrigando a pessoa que me guiava  ao meu lado, parar. Tal como fizera com a mulher que me viera falar, não  levantei a cabeça. Já estava pronta para as frases ridículas que me iam  verbalizar e um "obrigada" já estava preparado na ponta da língua. — A  senhora está detida por homicídio qualificado a Scott Bennett. — Senti o  meu corpo a ser largado repentinamente, e antes que conseguisse erguer a  cabeça para ter certeza do que tinha acabado de ouvir, os meus braços  foram brutalmente esticados para trás das minhas costas, onde senti um  material gélido prender os meus pulsos. Aqueles não eram os pêsames que eu estava à espera.

— O quê? — Vociferei  alto, enquanto todos os que assistiam ao enterro me observavam a ser  detida por ter morto o meu próprio pai. — Eu não matei ninguém, muito  menos o meu próprio pai!

— Não é o que as provas dizem.

— Eu nem sei como é que o meu pai foi morto, como é que pode haver provas contra mim?

— Em tribunal saberás tudo.

A minha boca abriu-se  para retrucar a sua ação após me ter agarrado num dos braços, enquanto  outro homem de porte avultado o fazia com o meu outro braço, e me  conduziam até ao grande portão do cemitério. Sentia-me a ser arrastada  sem piedade nenhuma. Passei os olhos em todos os ângulos à minha volta,  assustada, e pude ver uma enorme multidão a olhar aquela cena em choque  enquanto segredavam umas entre as outras. Os meus olhos pararam quando  olhei para trás de mim, no exato local onde eu estava, apercebendo-me de  que o homem que me agarrava e me havia consolado durante todo o tempo  do velório e do enterro, era o advogado os meus pais. A sua expressão  não estava diferente da minha, mas no entanto, vi as suas mãos  movimentarem-se como se me dissessem para eu ficar calma.

Era impossível eu ficar calma quando estava a ser detida por uma coisa que eu não fiz.

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