LÚCIUS O DEUS GATO

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Diz a lenda, que a mais ou menos uns 150 anos atrás, em uma cidadezinha aqui do interior do Paraná, um menino chamado Vladmir encontrou um caderno diferente no fundo de um poço seco. Aquele tinha sido o período de estiagem mais longo da história da cidade, os rios e nascentes já estavam sofrendo, e mesmo às cisternas com suas profundidades impressionantes já secavam também. No terreiro de um casebre abandonado estava aquele poço artesiano, provavelmente perfurado pelos antigos moradores do casebre, foi o que pensou o menino ao se aproximar. O poço não tinha mais que uns quatro ou cinco metros, e ainda mantinha a velha manivela e o balde de alumínio usado para retirar a água.

Vladmir estava à procura de Zézin, seu gato de estimação que vinha sempre á frente dele, corria e parava mais á diante, voltando o pescoço para trás para certificar-se de que o menino continuava a lhe seguir, até que o gato correu o suficiente para sumir entre as árvores, fazendo com que Vladmir corresse atrás dele tentando alcançá-lo.

O sumiço de Zézin imediatamente colocou o menino em sobressalto, ele passou a chamar por seu nome e procurá-lo em toda parte, temendo que algo de ruim pudesse ter lhe acontecido. Naquele momento Vladmir viu o poço e imaginou que seu gato caíra lá dentro, rapidamente ele se aproximou, inclinou-se sobre a sua borda e chamou pelo gato, percebendo logo que ele não estava lá dentro, mas mesmo assim, algo prendeu sua atenção.

Era um caderno diferente de todos os outros que o menino já tinha visto, era espesso, mas não como um livro, a capa, o menino não tinha como ter certeza, mais era muito parecida com o couro de uma onça ou coisa assim, as mesmas cores, o mesmo apeluciado do toque no pêlo, e o mais diferente: Uma pequena trinca com uma chave, ambas bastante enferrujadas.

Vladimir era um menino levado e sabido, retirou a corda que prendia o balde, amarrou em uma das pontas um pedaço de madeira, passou a outra pelo anteparo da manivela e com a ajuda dos pés, sempre apoiados nas paredes no poço, foi descendo de vagar até chegar ao fundo, a essa altura ele já nem se lembrava do sumiço de gato, tamanha era a sua euforia com o que ele chamou de "o seu tesouro secreto."

A curiosidade não deixou que ele esperasse sair do poço antes de abrir o caderno, sentou-se ali mesmo e forçou a chave a abrir, as páginas estavam em branco, embora muito amareladas, como se tivessem sido molhadas e secado depois, ficando com aquela aparência envelhecida — Um caderno novinho! — pensou ele satisfeito, levantando-se para subir o poço, quando Zézin miou lá de cima.

— A você ta aí seu danado? Eu tava preocupado já! Disse o menino.

— Eu sei me cuidar garoto, não se preocupe comigo. — Respondeu aquela voz improvável que parecia vir da boca do próprio gato.

— Meu Deus, foi você quem disse isso Zézin?

— Meu nome não é Zézin, eu sou Lúcius. Trouxe você até aqui para que encontrasse este diário. — Respondeu-lhe gato.

— Então você roubou o corpo do meu gato? — Perguntou o menino com a voz já embargada de tanto medo, mas esforçando-se em dissimular alguma coragem, conforme fora educado por seus pais, para portar-se como homem em quaisquer circunstâncias

O gato pareceu voar como um supersônico em uma fração de segundo e pousar levemente como uma pluma macia no chão, imediatamente á frente do menino.

— Eu não roubei nada de ninguém, sou eu mesmo, o seu gato de estimação, só que eu tenho nome, e não é Zézin. Disse ele com desdém. — Também não sou irracional e sei falar como você.

— É, isso eu percebi. — Ironizou Vladmir.

— Ótimo, então vamos pular toda aquela parte em que você se mija de medo e começa a chorar e chamar pela mamãe, até entender que não tem outra escolha a não ser me ouvir para que, só depois, a gente consiga conversar feito gente, está certo?

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