Capítulo 4

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Acordo suando frio, com meu último grito ainda ressoando em meus ouvidos. Começo a piscar, retirando as imagens do pesadelo de trás dos olhos. É sempre o mesmo, meu pai e minha mãe, ambos caídos na minha frente, murmurando pedidos de ajuda, e eu não consigo me mexer ou falar, com uma escuridão me cercando que parece rir do meu sofrimento.

Levanto-me, enxugando as mãos na calça e vou até a porta. Preciso urgentemente de ar.

O caminho que fiz para sair do convés está fresco em minha memória. Fazer o caminho da cabine até a superfície é mais fácil do que eu pensei. Em poucos minutos estou sob as estrelas, e o som das ondas se quebrando contra o casco do navio me é tão familiar, que me permito fechar os olhos e o cheiro da água salgada me prova que estou acordada, fora do mundo dos sonhos ou, no meu caso, dos pesadelos.

— Se você tentar se afogar de novo, eu vou deixar.

Olho na direção de onde veio a voz, e o moreno que estava encostado no mastro caminha calmamente até o parapeito, lugar em que estou. Ele está com uma garrafa de vidro na mão, seu cabelo se mexe com a brisa.

— Não vim tentar me afogar — digo, sem ânimo para brigar, me debruçando.

— Tem sorte de todos dormirem como pedra. Seus gritos os incomodariam. — Quando percebo, ele já está ao meu lado. — Por que estava gritando?

— Não te interessa. Além disso, por qual motivo plausível eu deveria confiar em você?

— Experimente, pode se surpreender — fala ele com uma piscadela.

— Não confio em piratas — respondo. — Principalmente aqueles de quem não sei o nome — digo, evasiva.

Ele pega minha mão de um jeito teatral e a beija.

— Capitão Derek Evans, ao seu dispor. Agora, senhorita Montnegro, conte-me os seus segredos.

Ficamos nos encarando por longos segundos, somente com o som das ondas, então respondo, rindo:

— Você não se importa.

— O quê? — Ele parece confuso.

— Você não se importa com o meu bem-estar. — Faço-o soltar minha mão. — Só está procurando fraquezas.

Ele fica sem reação por um momento, até dizer, com um sorriso no canto dos lábios:

— Eu não preciso procurar fraquezas, eu já as conheço.

Tudo se passa rapidamente. Ele avança em um pulo, me puxando contra seu corpo e seus lábios vêm de encontro aos meus, a mão segurando firmemente minha cintura. Elas permanecem ali, enquanto seus lábios tentam driblar minha boca fechada.

Dou socos no peito dele, tentando afastá-lo de mim, presa entre ele e a borda do navio. Meus golpes não parecem fazer nenhum efeito nele, seu beijo ainda é feroz. Então, mordo seu lábio inferior com força.

A surpresa e a dor o fazem me soltar.

— Seu idiota! Canalha!

O empurro com toda a minha força, fazendo-o tropeçar em um rolo de corda.

— Nunca, nunca mais se aproxime de mim — digo isso apontando meu dedo em seu rosto.

Estou me afastando quando percebo que a chave está fora da corrente, caída dentro da minha blusa. Ele tentou me roubar, o beijo foi apenas uma distração. Ele ainda está se levantando quando me viro e lhe dou um tapa.

Volto ao quarto e fecho a porta com mais força do que precisava. Estou com tanto ódio que, se eu tivesse uma espada, com certeza iria atrás daquele idiota e faria grandes estragos.

Crônicas dos Descendentes:  A Herdeira (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora