0.2 ❁ Pull the trigger

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A minha vida era um constante efeito borboleta.

Segundo a teoria do caos, o bater das asas de uma simples borboleta pode influenciar no curso natural das coisas, assim, talvez provocando um tufão do outro lado do mundo.

Eu sempre fiquei maravilhado em como ações pequenas poderiam causar efeitos desastrosos e tão grandes. Como deixar de falar algumas poucas palavras, ou deixar de tomar algumas atitudes, coisas pequenas que em poucos minutos poderiam reverter uma situação calma em puro caos, e virce-versa.

O acontecimento do dia anterior fez com que eu não fosse à escola por alguns dias, era impossível com a quantidade de machucados em todo o meu corpo. A dor que se alastrava e fazia tudo queimar como brasa em chamas, e que não me permitia levantar daquele sofá onde eu fiquei por horas, até tomar coragem e me direcionar a cama, onde iria dormir até me recuperar o mínimo possível e me preparar para mais um dia no que eu chamava de meu inferno particular.

Normalmente era sempre assim, com alguns intervalos no período em que ele sumia. 

Pensei em faltar à aula, mas isso não era uma opção viável. Todos os professores da minha turma haviam começado a questionar a quantidade de faltas e a prestar atenção demais nos machucados no meu corpo, embora não tomassem nenhuma atitude concreta. Parecia que achavam que eu era briguento demais ou que fazia parte de algum clube de luta. Eu não confiava em ninguém ali e jamais falaria sobre minha situação com qualquer pessoa da escola, mesmo que achasse que eles deveriam se preocupar mais. As coisas não podiam ser tão comuns assim. Não deveria ser apenas mais uma questão e ponto final. A situação exigia uma investigação mais profunda, e eu me sentia frustrado por ninguém estar realmente disposto a fazer isso.

Eles deveriam se intrometer. Deveriam perguntar mais. Deveriam saber. Era risível como todos pareciam tão focados em seus próprios umbigos para perceber a pessoa sofrendo ao lado.

Eu fiz o que podia para manter distância de todo esse caos, mas não era como se as brigas fizessem o mesmo comigo. E isso por si só não deveria ser um sinal? Acho que ninguém com saúde mental estável se mete tanto em brigas, não por gostar, pelo menos. Os adultos deveriam prestar atenção aos detalhes.

E ok, não era uma coisa que eu queria que acontecesse, mas as brigas chamavam-me como a droga de um ímã. E não era para bater, eu adoraria que fosse. Mas eu não conseguia ser um monstro, eu não acreditava na violência. Era para apanhar, para sentir dor, para cair. E eu estava me tornando tão bom em estar no chão.

Nunca tive uma mentira boa o bastante para convencer os meus educadores, então quando o momento chegava, eu sempre optei pelo silêncio e bom, essa era mais uma das coisas as quais eu estava sempre fugindo: as perguntas.

Tentei ao máximo esconder os machucados no meu rosto nos três dias que fiquei em casa.  Passei gelo em tudo que podia, tomei medicamento para dor, mas as perguntas eram inevitáveis quando alguns dos machucados tinham band-aids tão aparentes ou simplesmente não tinham nada. Roupas largas e de tecido mais grosso se tornaram minhas aliadas, mesmo em dias mais quentes. Eu não poderia evitar que o questionamento viesse – não estava preparado para responder –, mas poderia me preparar para não ser observado com olhares curiosos e de pena ou de uma forma estranha por estar quase sempre tão quebrado. 

Esse era meu efeito borboleta. Uma atitude que meu pai tomou, que mudaria todo o meu dia, e talvez, toda minha semana. Acho até que toda uma vida.

My Savior || VHope Onde histórias criam vida. Descubra agora