Jesus de BH

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Era uma manhã de Abril. O sol estava escondido atrás das nuvens. Uma fina e fria garoa acompanhada de um vento gélido acordava o dorminhoco coberto por velhos e rotos lençóis. Sua cama era um velho e conhecido banco da Praça Rio Branco e seu colchão, um combinado de papelões velhos. Perto dali, o monumento Liberdade em Equilíbrio completava a decoração daquele quarto público.

– Liberdade... – Bufou o homem a si mesmo.

Sentando-se sobre o banco, seus longos cabelos e barba começavam a mudar a coloração para um tom mais escuro, combinando com o céu, devido à água que caia. Elevou a cabeça fechando os olhos e abrindo a boca, deixando que algumas gotas tocassem sua língua.

Sentia-se invisível, ignorado por todos. Pessoas andavam e passavam, seus olhares nunca se cruzavam.

        Nem Liberdade, nem Equilíbrio.

            Os únicos pronomes que terceiros o dirigiam geralmente vinham de crianças que passavam nos ônibus o xingando e apelidando:

– Zé ninguém!

– Papai Smurf!

– Velho Barba!

Zé Ninguém. Zé Ninguém...

Ali estava um pronome que mais parecia um adjetivo. Zé Ninguém. Duas palavras que o jogavam diretamente ao anonimato social. O transformavam em... Ninguém. Tão repetidamente foi chamado por essa alcunha que esquecera o próprio nome. Foi rebatizado pela sociedade.

De início praguejava com os meninos. Gritava e esperneava. Mais risos, mais deboche. Os garotos cresciam, novas gerações vinham... Zé Ninguém... Zé Ninguém... Zé Ninguém.

Outros apelidos surgiam enquanto seus cabelos cresciam e também sua barba, os anos passavam e passou a ser conhecido como o Jesus de BH. Era melhor que Zé Ninguém. Jesus... As coisas deviam estar melhorando.

A chuva continuava a escorrer por seu rosto. Juntou suas coisas, uma velha caneca de alumínio, um lençol rasgado e alguns papelões. O tecido logo virou uma bolsa. Atrás dele, o cão de rua o seguia. Lobo, era o nome que ele deu. Fiel Lobo. Não estavam juntos há muito tempo, mas eram verdadeiros amigos. Jesus sorriu para o cão e acariciou sua cabeça.

– Vamos Lobo, vamos arrumar um local quente para nos abrigar.

Andando pela Avenida Afonso Pena, procurava uma marquise que pudesse servir como um lar ou uma árvore que fornecesse um teto decente. Encontrou um estabelecimento ainda fechado, forrou o chão e deitou com Lobo. Poucos foram os minutos de sossego.

– Vamos! Vamos, seu vagabundo, meu estabelecimento não é local para mendigo não. Saia daqui agora! Vai procurar sua turma.

– Me desculpe senhor. Estava chovendo e eu...

– Fora daqui!

Jesus recolheu correndo suas coisas. Às vezes em que os olhares eram dirigidos a ele eram cercadas de vergonha e difamação. No passado tinha vontade de chorar, mas seus sentimentos foram engessados, petrificados. A vergonha agora era algo que o fazia abaixar a cabeça e andar - Zé Ninguém. Zé Ninguém - repetindo em sua mente - Não havia mais choro... Não mais.

O Jesus de BH acabou virando uma figura caricata na cidade. Ninguém o olhava, ninguém nunca o dirigira a palavra por livre e espontânea vontade, mas não era um total anônimo, apenas para ele mesmo. Jesus de BH, o mendigo da Praça Rio Branco. Longe dali, conseguiu um lugar tranquilo para deitar, mas a vida o roubava mais uma propriedade. O que mais teria a oferecer? O que mais tirariam dele? Uma voz começou a gritar:

O Jesus de BHOnde histórias criam vida. Descubra agora